"O assédio faz com que a pessoa perca a autoestima. Muitas vezes, o objetivo é eliminar o sujeito do ambiente de trabalho, forçá-lo a pedir demissão", explica o psicólogo Roberto Heloani
"O assédio faz com que a pessoa perca a autoestima. Muitas vezes, o objetivo é eliminar o sujeito do ambiente de trabalho, forçá-lo a pedir demissão", explica o psicólogo Roberto Heloani | Foto: Gina Mardones



Tão antigo quanto o trabalho, o assédio moral caracteriza-se por condutas que evidenciam violência psicológica contra o trabalhador. Eventuais brincadeiras, broncas e conflitos são normais no ambiente de trabalho, mas passam a ser considerados assédio moral quando se tornam sistemáticos. Essas atitudes podem causar graves danos psicológicos e físicos.
Expor o empregado a situações humilhantes, impor metas inatingíveis, negar folgas e emendas de feriados quando outros empregados são dispensados, agir com rigor excessivo ou colocar apelidos constrangedores no empregado são alguns exemplos que podem configurar o assédio moral. "Muita gente coloca como assédio um conflito que é de ordem pessoal, um desentendimento, um mal-entendido, que são eventos que podem causar dor e problemas, mas não constituem assédio moral", alerta o psicólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Heloani.
O assédio moral, segundo ele, é a exposição sistemática do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, que têm a intenção de desestabilizar a vítima. "O assédio faz com que a pessoa perca a autoestima, se sinta desqualificada, emocionalmente abalada. Muitas vezes, o objetivo é eliminar o sujeito do ambiente de trabalho, forçá-lo a pedir demissão", explica.
Apesar de inúmeras condenações na Justiça, algumas estratégias de motivação e cobrança de resultados que ultrapassam todos os limites éticos continuam presentes em algumas empresas. "Ainda hoje, funcionários que não cumprem metas são obrigados a se vestir de mulher ou de palhaço, a passar pelo corredor polonês, a usar capacete em formato de fezes e coisas piores", afirma o pesquisador. O assédio moral, segundo ele, não acontece em empresas com gestões ignorantes e despreparadas. "É nas grandes empresas, nas universidades, nos hospitais, nos órgãos da Justiça", revela.
Segundo o psicólogo, essa prática está, muitas vezes, diretamente relacionada à corrupção, seja na esfera privada ou na pública. "Já tivemos vários casos, por exemplo, de servidores públicos e também funcionários de grandes empresas que não aceitaram entrar em esquemas de corrupção. Esse indivíduo acaba se tornando uma persona non grata e uma forma de se livrar dele é assediá-lo moralmente. Chega a um ponto que ele não aguenta mais", conta.
Heloani, que estuda o assédio moral no trabalho há 17 anos e é uma das referências no Brasil, esteve recentemente na Universidade Estadual de Londrina (UEL) palestrando sobre o assunto. Na ocasião, ainda foi lançado o segundo volume do livro "Sociedade em transformação: estudo das relações entre trabalho, saúde e subjetividade", do qual Heloani é um dos organizadores.

HIERARQUIA
Quando o tema começou a ser estudado no Brasil, há 17 anos, dava-se muita ênfase ao fator hierarquia. Hoje, sabe-se que o assédio pode vir tanto de cima para baixo, quanto horizontalmente, entre pares. "Não é mais o chefe, é o próprio colega que vê no outro um eventual rival", conta Heloani. "A hierarquia em si mesma não é a grande responsável pelo assédio. Você pode ter um ambiente hierarquizado onde predomina o respeito, e pode ter ambientes que aparentemente não são hierarquizado, mas onde existe uma hierarquia informal", acrescenta.
Depois de dez anos coordenando um projeto que estudava casos de assédio moral no serviço público, a psicóloga e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Cristiane Vercesi percebeu um perfil mais ou menos padrão nos assediadores. "Normalmente, ele tem vínculo com a vítima, conhece a vida dela e, em algum momento, passa a invejá-la, a querer competir com ela."

SERVIÇO PÚBLICO
Segundo ela, o servidor público sofre ainda mais com o assédio moral por causa da estabilidade no cargo. "O servidor não pode ser demitido e não quer abrir mão da estabilidade que conquistou. Então, o assediador cria mecanismos sutis de violência para forçá-lo a sair", explica a psicóloga.
No serviço público, segundo ela, na maioria das vezes, o assédio é vertical. "Vem do próprio chefe e o servidor não tem escapatória porque, quando ele tenta mudar de lugar, o chefe não permite a transferência", conta.
A psicóloga explica que o que acontece nos casos de assédio moral no trabalho é muito parecido com a violência doméstica. "Existe um pacto de silêncio muito forte, que num determinado momento começa a se manifestar como ansiedade, síndrome do pânico, diarreia na hora de ir trabalhar. Basta ver nos departamentos de recursos humanos de órgãos públicos como é alto o índice de afastamento", pondera.