Em votação apertada, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a cobrança de 2,1% sobre a comercialização bruta de cada propriedade para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), pago pelo empregador no campo como pessoa física. A sentença da última quinta-feira, 30, atende pedido do governo federal, em recurso sobre decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que havia rejeitado a contribuição. Na prática, os agricultores terão o retorno de um custo substancial no pagamento de tributos, independentemente do número de funcionários que mantenham.

São cerca de 15 mil ações que contestavam a cobrança e estavam paradas em tribunais do País, à espera da decisão no Supremo, segundo a presidente do órgão, ministra Cármen Lúcia. O especialista em direito previdenciário Diogo Vilela Berbel, de Londrina, afirma que a matéria foi votada como de "repercussão geral" e não cabe recurso. "No Judiciário, não há mais discussão. Agora, só se o Legislativo propuser alguma mudança", diz.

O principal temor dos agricultores é sobre a retroatividade, mas ele diz que boa parte foi orientado e guardou, ou depositou em juízo, o valor devido pelo Funrural. "O STF pode modular os efeitos do acórdão, determinar desde quando os efeitos da decisão valem, mas, como é uma questão de arrecadação, acredita-se que o governo vai retroagir a cobrança", diz Berbel.

As estimativas sobre o quanto seria arrecadado variam para mais de R$ 7 bilhões, mas é uma conta complicada de se fazer. Os agricultores que tinham funcionários e contestavam o Funrural deveriam recolher os mesmos 23% dos empregadores urbanos, o que deve ser descontado das dívidas. Porém, o valor é pequeno frente o desconto pela comercialização bruta. "A atividade rural de hoje, com a tecnologia que se tem no campo, usa bem menos mão de obra e tem um faturamento crescente, então os empresários do campo vão pagar cada vez mais e empregando menos", diz o advogado. "Acabam pagando pelo segurado do meio urbano, onde se recolhe sobre a folha de pagamento e se tem mais risco. Pela isonomia, os produtores também deveriam recolher sobre a folha", completa.

Imagem ilustrativa da imagem Pesado como um trator



EM JUÍZO
No caso da Integrada Cooperativa Agroindustrial, o valor depositado em juízo para os últimos sete anos se aproxima de R$ 150 milhões. "Decidimos, com cautela e segurança, recolher via depósito judicial, mas era um valor que o cooperado esperava receber de volta", diz o presidente da cooperativa, Jorge Hashimoto. Ele se diz preocupado porque 2,1% da comercialização bruta é bastante relevante frente o líquido. "Quem deixou de recolher neste período vai receber uma pancada. São muitas situações e vamos esperar as coisas clarearem um pouco para falar mais."

Berbel acredita que a maioria seguiu o exemplo da Integrada porque a cobrança nunca foi extinta. Salvo, porém, se o contribuinte for réu em uma ação da Receita Federal. "Mesmo assim, entendo que só se pode cobrar os cinco anos anteriores ao início do processo pela Receita, mais os anos até a decisão do STF, com juros e correção."

Custo até três vezes maior
O produtor rural Valdir Edemar Fries, de Itambé, na Região Metropolitana de Maringá, resolveu abrir o balanço de 2016 da propriedade de 193 hectares na internet, para mostrar o peso do Funrural. Ele afirma que pagou R$ 18,5 mil entre tributos e contribuição sindical obrigatória à Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Se tivesse de pagar mais 2,1% sobre a comercialização bruta, ele estima que o valor total de impostos chegaria a R$ 56,7 mil em um ano. Assim, a receita líquida dele de R$ 65 mil, sem a contribuição, cairia para R$ 26,8 mil.

Ele diz que, mesmo com apenas um funcionário, teria de recolher R$ 34 mil para a Previdência. "Desde 2011, destinei esse dinheiro para tecnologia, manejo do solo, maquinário, então minha produtividade foi de 55 sacas de soja por hectare para 75", cita o agricultor de Itambé. "Acho que o governo vai tirar a capacidade de investimento, que é essencial para qualquer empresário sobreviver, e arrecadar menos, porque não terei dinheiro para comprar maquinário e insumos", completa.

Fries afirma que agricultores de um grupo chamado "A Voz do Campo", que tem um canal com programas de rádio na internet e um grupo de WhatsApp, prepara um protesto sobre o tema para o dia 1º de maio, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, que já conta com o apoio de federações rurais de três estados.

REPERCUSSÃO
Em nota, a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) cita que aguarda a publicação do acórdão do STF antes de avaliar quais medidas poderá tomar, mas que busca alternativas para os representados, "a fim de rever alíquotas e a possibilidade de opção da forma de recolhimento entre os diferentes segmentos produtivos", informa.

A CNA foi criticada pelos produtores por conta de uma nota oficial, divulgada no dia 30 e posteriormente retirada do site da entidade. No texto, informava que "a forma de contribuição por meio de uma alíquota incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção é a maneira mais justa e vantajosa para a maior parte da produção rural brasileira".
Em outra publicação, do dia 1º, a entidade cita que "vai trabalhar junto ao governo para que os produtores possam renegociar suas dívidas em condições facilitadas, sem onerá-los excessivamente". A FOLHA tentou contato ontem com a entidade, que somente se pronunciaria hoje sobre o caso, em entrevista coletiva. (F.G.)