Vista com resistência no final dos anos 90, soja transgênica hoje representa 96% do total plantado
Vista com resistência no final dos anos 90, soja transgênica hoje representa 96% do total plantado | Foto: Gina Mardones



Desde quando a soja RR, da Monsanto, foi aprovada no País pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), em 1998, o cenário da atuação da biotecnologia e organismos geneticamente modificados no agronegócio passou por uma revolução. A desconfiança - que era marca em relação aos transgênicos naquela época - gradativamente foi dando espaço para o reconhecimento da importância deste tipo de tecnologia para a evolução da produtividade no campo. Hoje, é difícil pensar em em agricultura eficiente sem produtos que envolvam biotecnologia, desde sementes até a ação de defensivos.
A evolução deste trabalho – o próximo passo – é uma tecnologia chamada CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), que significa basicamente a edição do próprio genoma da planta ou outro organismo, trocando uma base do nitrogenada na soja, por exemplo, sem precisar transferi-lo, como é o caso dos transgênicos.
A comunidade científica está preocupada sobre como a sociedade vai receber esta inovação. É bom lembrar que na época de surgimento dos transgênicos não havia redes sociais como hoje, em que informações de todo tipo são disseminadas, para o bem e para o mal.
Na última semana, foi realizado em São Paulo o I Seminário Internacional Scientific American Brasil – Ciência e Sociedade, com o objetivo de discutir a maior incidência de movimentos anticiência em todo o mundo na sociedade contemporânea, justamente devido a essa pluralidade de vozes. Um cenário que pode atrapalhar o desenvolvimento da biotecnologia no País, não apenas no agro, mas em outros setores, como a saúde, indústria, meio ambiente, etc.
A diretora-executiva do CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia), Adriana Brondani, conversou com a FOLHA sobre a nova tendência mundial de refutar a ciência e como isso pode atrapalhar o agronegócio. "Temos uma dificuldade de entendimento do papel da ciência pela sociedade e essa descrença (na ciência) ficou ainda mais forte porque várias pessoas estão falando ao mesmo tempo. Houve uma mudança na forma de comunicação, as ferramentas digitais. E a ciência precisa acompanhar isso para que ela se faça entender. É um novo cenário e precisamos nos inserir nele."
Brondani relembra dos transgênicos, saindo de um pessimismo, de rejeição, inclusive na agricultura, para uma "percepção mais favorável". "Não acredito que demoramos para mudar esse cenário pois estávamos falando de uma tecnologia inovadora. É natural que as pessoas tenham dificuldade de entendimento, foi um tempo importante, inclusive para passar segurança a elas. Hoje temos uma número enorme de empresas ligadas à biotecnologia que mostram ao consumidor sua importância em todas as áreas."
No caso da CRIPR, a diretora acredita que a sociedade, mesmo com essa pluralidade, pode absorvê-la de forma mais tranquila, até pelo histórico dos transgênicos. "É claro que a informação precisa ser contínua, mas como já existe um histórico de inovação oriunda da biotecnologia, isso fica mais fácil. Temos cases de sucesso ao longo desses 20 anos de evolução. Já se mostrou segurança e o que aconteceu com a produção agrícola faz com que as pessoas fiquem muito mais familiarizadas com tudo isso."

Manejo sustentável
A pesquisadora da área de biotecnologia da Embrapa Soja, Liliane Henning, relata que a biotecnologia veio como uma ferramenta para auxiliar o melhoramento genético. Vale dizer que 96% da soja nacional é transgênica. O milho e o algodão são respectivamente 90% e 80% transgênicos.
Além de ação direta na produtividade, a biotecnologia contribuiu muito para a implementação de práticas de manejo mais sustentáveis no agronegócio. "O sistema conservacionista do plantio direto, por exemplo, foi possibilitado em sua grande parte pela adoção da soja transgênica (RR). As principais características que temos hoje em termos de transgenia estão associadas a resistência a herbicidas e a insetos. Isso leva a facilidade de manejo e permite ao produtor reduzir o número de aplicações de defensivos".
No caso da ferramenta CRISPR, de edição gênica, a pesquisadora relata que muitos países estão considerando esses produtos como não transgênicos, o que facilitaria a regulamentação. "A tendência é que o Brasil adote essa mesma estratégia, até porque importamos e exportamos muitos produtos. É uma tecnologia extremamente promissora".

Responsabilidade do produtor
Na outra ponta da cadeia, dentro da porteira, a diretora-executiva do CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia), Adriana Brondani, diz que os produtores precisam ter responsabilidade em relação à biotecnologia. O uso de fungicidas de forma indiscriminada para combater a ferrugem asiática da soja é um exemplo de aplicação equivocada de tecnologia que pode trazer perdas enormes no futuro."O produtor precisa trabalhar pela sustentabilidade dessas tecnologias. Há um investimento de pesquisa e desenvolvimento para ter um novo produto e é importante uma conscientização de como faremos para preservá-lo ao máximo no campo".
Outro ponto importante é vencer a burocracia para que essas tecnologias estejam no campo o mais rápido possível. No caso do CRIPR, o debate já dura dois anos. Por fim, os cortes feitos pelo governo na ciência brasileira também trazem preocupação. "É realmente uma lástima que tenhamos essa redução de investimentos. São várias instituições (que sofreram contingenciamento) importantes e isso sempre foi um gargalo. Reduzimos ainda mais o que já era ruim." (V.L.)