Com as operações no meio digital se tornando cada vez mais frequentes, a discussão sobre a natureza de bens e serviços digitais ganhou ainda mais força. O Grupo de Tributação e Novas Tecnologias do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV Direito SP deu início a uma série de quatro eventos que discute a tributação sobre operações que envolvem bens e serviços digitais. O mais recente aconteceu na última sexta-feira do mês de maio (dia 26).

De acordo com a coordenadora do Grupo, Tathiane Piscitelli, "não existe uma diretriz legislativa muito clara que trata da tributação de operações digitais". Novos modelos de comercialização de bens e serviços digitais, como de filmes e músicas em serviços de streaming, e de software, no modelo de SaaS (Software as a Service ou Software como Serviço), como os serviços em nuvem, trazem indefinições quanto à forma de serem tributados – se pelo ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), recolhido pelo Estado, ou pelo ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), recolhido pelo município.

"As leis são relativamente dúbias e essas operações são cada vez mais frequentes. De outro lado, o fisco quer arrecadar e o que se tem é uma disputa entre estados (que recolhem ICMS) e municípios (que recolhem ISS) em relação à tributação", constata Tathiane. Para a coordenadora, é preciso entender com mais profundidade as tecnologias para qualificar melhor os bens e serviços digitais perante as leis.

"Vemos muitas dúvidas dos contribuintes sobre isso e uma discussão no judiciário sobre o que é tributado como serviço ou como produto. Tínhamos um posicionamento tanto quanto tranquilo em relação ao que seria serviço ou comércio, tributado pelo ISS ou pelo ICMS", pontua Alexandre Fiorot, diretor regional do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) em Vitória (ES). "Softwares antes vendidos em CDs, DVDs ou disquetes em prateleiras de lojas eram comércio e deviam ICMS. Softwares desenvolvidos a pedido de alguém eram serviços, tributados pelo ISS."

Com mudanças no setor de tecnologia, a legislação se tornou muito complexa, diz Fiorot. "Temos três cenários: um que claramente é produto, outro que claramente é serviço, mas temos hoje um cenário em que alguns contribuintes ficam no limbo. Em 2015 o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) permitiu que alguns estados tributassem pelo ICMS a venda de software por download, sem fazer ressalvas. A Lei Complementar 116 também faz confusão quando se fala de ISS de software, também sem fazer ressalvas. A gente vê problemas de contribuintes que são cobrados ora pelo Estado, ora pelo Município em função de uma legislação confusa."

ADAPTAÇÃO
Na falta de uma categoria específica para a solução em nuvem que comercializa, Jeferson Vimmermann, da Solyos, empresa de software da área de logística de Curitiba, tributa pelo ICMS. "SaaS não é um produto, uma caixinha, como era antigamente. A pessoa paga pelo que usa. Também não é serviço, porque está hospedado na nuvem. O software teria que ter uma legislação específica, principalmente nesse mundo novo. Mas, logicamente, temos que nos adaptar às regras tributárias do País. Conseguimos articular e ter uma espécie de produto físico, o que não é o ideal."

Outra empresa de Curitiba, que também comercializa software no modelo SaaS, tributa pelo ISS. "Prefiro pagar como serviço para não correr o risco de sofrer as consequências no futuro", comenta Wagner Elias, sócio da Conviso, que fornece uma solução de gestão de segurança de aplicação. "(SaaS) É um software que não vende, é uma concessão de uso. Também não é um serviço tradicional, deveria ter um enquadramento próprio, o que não tem."

ICMS x ISS
Segundo informações da Secretaria da Fazenda do Estado, software, personalizado ou não, possui isenção de ICMS no Paraná (exceto jogos eletrônicos), prevista no Regulamento do ICMS. O Convênio ICMS 181/2015 autorizou o Estado a conceder a redução da base de cálculo do imposto para, no mínimo, 5% nas operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres. Mas, por enquanto, o Estado aplica a alíquota cheia – via de regra, de 18% - a esses itens, exceto software, que possui isenção. Por outro lado, a Secretaria cita que a disponibilização de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio de internet foi incluída na lista de serviços tributados pelo ISS, recolhido pelos municípios, conforme a Lei Complementar nº 157/2016.

Em Londrina, a Secretaria Municipal de Fazenda observa a lista de serviços do item 1 da Lei Complementar 116 (Serviços de Informática e congêneres) e a localização do estabelecimento do prestador, afirma Carlos Eduardo Burkle, auditor fiscal de tributos e diretor de fiscalização tributária. Sobre os serviços do item 1, incide a alíquota mínima de 2%, estabelecida pelo Código Tributário Municipal, exceto nos casos de empresas prestadoras de serviços do Simples Nacional. Burkle observa que houve ampliação do escopo do ISS, incluindo diversos novos serviços de Informática e congêneres, mas diz reconhecer a possibilidade de casos em que há tributação dupla – pelo ISS e pelo ICMS. O município, diz, cumpre com a sua competência de fazer o lançamento do ISS de acordo com a lista disposta na Lei.

Critério único
Para o diretor regional do IBPT, Alexandre Fiorot, a legislação precisa ser mais clara. "Deveria ser mais clara e definir de uma vez por todas um critério único. Defendemos que haja clareza para que traga segurança aos contribuintes e fique uma situação igualitária e não uma situação de concorrência desleal."

A recomendação de Fiorot é que os empresários busquem, com a ajuda de seu contador e do seu advogado, esclarecer com o fisco local qual o posicionamento em relação ao produto ou serviço comercializado pela empresa. "Cada contribuinte tem que avaliar sua situação, as particularidades do seu produto ou serviço e qual o entendimento do seu fisco local com a recomendação de depositar os tributos em juízo para não acumular dívidas."(M.F.C.)