As operações no ramal ferroviário que liga Londrina a Ourinhos(SP) serão paralisadas a partir desta terça-feira (16). Segundo a Rumo, concessionária que administra a ferrovia, a falta de demanda comercial motivou a decisão. A ferrovia São Paulo-Paraná, que tem quase um século de história, é um canal de transporte de cargas como combustíveis, fertilizantes e grãos dos mais diversos tipos.

Segundo especialista consultado pela Folha, a paralisação pode fazer com que empresas estabelecidas ao longo do trajeto migrem para outras regiões, assim como pode levar ao aumento no preço de produtos, já que o transporte rodoviário é mais caro e poluente do que o ferroviário.

O economista e professor universitário Sinival Pitaguari explica que o transporte ferroviário é o segundo mais barato, ficando atrás apenas do marítimo. Além de ser financeiramente mais viável, também é menos poluente do que outros modais de transporte, como o rodoviário. Entretanto, apesar dos benefícios, ele reforça que o Brasil é um dos poucos países que dão preferência ao transporte rodoviário do que o por ferrovias, tanto para a locomoção de cargas quanto de pessoas.

Ele ressalta que o transporte rodoviário deve ser utilizado apenas para trajetos curtos ou de ligação para outros modais, enquanto que o ferroviário deve ser a opção para longas distâncias devido ao fator econômico e poluente. No Brasil, segundo ele, a preferência pelas rodovias vêm de decisões políticas tomadas lá na década de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, como forma de atrair as multinacionais dos automóveis. Diante de crises econômicas e tendências de estagnação ao longo dos últimos 40 anos, Pitaguari afirma que o Brasil não completou nem a malha rodoviária e nem a ferroviária. “O Brasil é deficiente nas duas coisas, mas teria sido muito mais vantajoso ter desenvolvido pelo menos uma boa malha ferroviária”, opina.

A respeito da desativação do ramal ferroviário entre Londrina e Ourinhos, no interior de São Paulo, o economista afirma que a decisão tende a encarecer o custo de transportes das empresas que estão instaladas ao longo desse “caminho”. Além disso, também existe um cenário em que as empresas migrem da região para outras mais bem servidas de malhas ferroviárias. Com diversas fábricas de fertilizantes e adubos, assim como com forte potencial na produção de combustíveis, esse tipo de trabalho pode se tornar inviável, já que o preço para fazer o transporte ficaria muito elevado, destaca o professor. A decisão da Rumo envolve apenas o ramal entre Londrina e Ourinhos, já as operações no ramal que vai de Londrina à cidade de Apucarana continuam normalmente.

Pitaguari pontua que a desativação do ramal ferroviário também pode encarecer os produtos e alimentos nas gôndolas, já que, com o preço mais elevado do transporte rodoviário, o aumento tende a ser repassado para o consumidor final. “Algumas mercadorias dessas, como combustíveis ou fertilizantes, chegavam de trem a um custo mais barato e agora vão ter que chegar de caminhão com um custo mais caro”, afirma, acrescentando que o problema é sério e pode afetar o desenvolvimento de toda a região Norte do Paraná, assim como outras partes do estado. “Os impactos são múltiplos e difíceis de calcular”, reforça.

Afirmando que a decisão de desativar o ramal ferroviário vai na contramão do que é visto ao redor do mundo, ele afirma que a raiz do problema começou no governo do JK, mas que outro ponto também influencia nesse cenário, que é a privatização das rodovias e ferrovias. “Ao invés de privatizar o que se tinha, deveria, no máximo, abrir concessão para que as empresas construíssem novas ferrovias onde não havia e novas estradas onde não havia”, explica, complementando que o que houve foi apenas uma troca de mãos do governo para o setor privado.

Também como prejuízo da privatização, ele explica que existe a criação de um monopólio, já que não vai haver duas linhas férreas entre Londrina e Ourinhos, por exemplo, uma vez que o custo de construção é muito alto, assim como acontece com a distribuição de água e energia elétrica nas cidades. Por conta disso, Pitaguari reforça que é melhor que o monopólio fique nas mãos do setor público do que do privado. “A gente está numa contradição entre o interesse privado de lucratividade da empresa versus o interesse no desenvolvimento de toda uma região”, afirma.

A respeito da justificativa apresentada pela Rumo para o desligamento do ramal férreo, dizendo que não existe demanda comercial para a continuidade das operações, Sinival Pitaguari afirma não acreditar. Segundo ele, as concessões costumam ser de décadas e o mercado flutua, ou seja, pode ser apenas que os lucros neste momento não estejam suprindo as expectativas da empresa. “Então a questão não é que não há demanda, a questão é que talvez essa demanda que existe no atual momento seja menor do que aquilo que a empresa planejou quando ela conquistou a concessão”, opina.

Situação precária

Valdecir Tavares Ruiz, diretor do Sindifer (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias nos Estados do Paraná e Santa Catarina), explica que o trajeto de 217 quilômetros de linhas férrea entre Londrina e Ourinhos é dividido em trechos, sendo que uma equipe fica responsável pelo transporte até Cornélio Procópio. Nesse ponto, os funcionários de Ourinhos assumem o trajeto até a cidade do interior paulista. Além da falta de funcionários para atuar no trajeto, ele reforça que a situação da linha férrea é precária.

No trecho, ele explica que os trens precisam trafegar a uma velocidade de 15 quilômetros por hora, sendo que o normal são 30 quilômetros. Segundo ele, a Rumo tem demanda para continuar operando na via, mas o que a concessionária não quer é investir na revitalização do ramal. “[Esse trecho da linha férrea] está em situação precária, ela [Rumo] só vai lá e troca dormente, que é aquela madeira que fica debaixo da linha”, explica, complementando que é mais barato para a concessionária desativar o trecho do que investir na recuperação.

Ruiz detalha que há alguns anos pelo menos cinco trens faziam o trajeto todos os dias. Sem a manutenção adequada e com muitos casos de descarrilamento, a concessionária teria iniciado um processo de redução das viagens para uma vez ao mês. “O mato está [alto] demais. Ela parou, abandonou [o trecho]”, relata, contando que o tempo de viagem, que era de oito horas, mais que dobrou.

Segundo o diretor do Sindifer, para os funcionários, foi oferecida a transferência para cidades como Apucarana (PR), Araraquara (SP), Paranaguá (PR) e Ponta Grossa (PR), distante dos municípios de origem de cada um dos trabalhadores. “É uma falta de respeito [com os funcionários], mas ela não está se preocupando muito com isso, ela está cortando custos”, afirma.

Manifestações

Nas redes sociais, foi organizado um abaixo-assinado para pedir a manutenção do ramal ferroviário entre Londrina e Ourinhos. Com quase 400 assinaturas, a petição deve ser encaminhada para o Ministério dos Transportes, MPF (Ministério Público Federal), DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), além de governantes dos estados do Paraná e de São Paulo.

Ressaltando que o sucateamento da malha ferroviária já vem desde os anos 2000, com a paralisação de pelo menos outros três ramais, o abaixo-assinado ressalta que o trecho tem importância no transporte de cargas, como de combustíveis, grãos, açúcar e adubo. Segundo a justificativa para a realização do abaixo-assinado, “o histórico é o mesmo das desativações anteriores de diversos trechos: a concessionária, visando operar apenas os grandes corredores de exportação, vai sucateando os ramais e trechos secundários, e acaba por inflacionar os custos operacionais, causando o rompimento de contratos”.

Além da parte econômica, o texto também reforça os prejuízos históricos, já que o trecho da ferrovia entre Londrina e Ourinhos completa, em 2024, 100 anos de fundação. “[Ainda] é preciso destacar que o transporte ferroviário é mais barato e muito mais ecológico do que o rodoviário, o qual em nosso país encontra-se saturado”, complementa o texto.

Rumo

Em nota, a Rumo disse que, “após tratativas comerciais com clientes, não houve nenhuma demanda de serviço de transporte viabilizada para 2024”, sendo que a última operação teria ocorrido em dezembro. A concessionária também afirmou que segue avaliando novas oportunidades e que “novas possibilidades para esse ramal serão avaliadas nas discussões da renovação da Malha Sul”. Segundo a Rumo, foram transportadas 104 mil toneladas de combustíveis e fertilizantes no ramal em 2023.

Sobre os colaboradores, a nota diz que um grupo de 27 pessoas recebeu a oferta de novos trabalhos na companhia em outras localidades e que 33 funcionários vão permanecer na região, divididos entre Jataizinho, Cornélio Procópio e Cambará, que “continuarão desempenhando suas atividades para garantir a manutenção da via”.

Caso o colaborador opte pelo desligamento da empresa, a Rumo garante que eles vão receber suporte e um pacote de benefícios. “A Rumo fez várias reuniões com o sindicato e reforça que a prioridade é que este processo ocorra de forma respeitosa com todos os envolvidos”. Por fim, a concessionária afirma que nenhum outro ramal ferroviário será desativado e que realiza manutenções em todos os trechos sob sua concessão.