Para a psicanálise, a analogia da Páscoa com o desenvolvimento de uma nova consciência pode ser profundamente esclarecedora. Assim como na narrativa pascal, onde a ressurreição simboliza um renascimento espiritual e uma transição para uma nova fase de vida, no processo psíquico, encontramos paralelos significativos. A jornada rumo a uma (r)evolução mental frequentemente requer um período de reflexão e introspecção, semelhante à Quaresma, onde confrontamos nossas angústias, nossos conflitos internos e nossos padrões de pensamento e funcionamento. É um período de desapego daquilo que já não nos serve mais, de enfrentamento e/ou aceitação das próprias limitações e de reconhecimento das áreas de estagnação e sofrimento em nós mesmos.

A Páscoa emerge como um momento onde a ressurreição permeia o cerne das reflexões. Originada do latim "ressurrectione", a palavra ressurreição evoca o ato de se erguer, de se levantar. Ouso até dizer que é uma chamada para acordar para a vida. Na tradição cristã, a Páscoa é consagrada ao renascimento de Cristo, que emerge dos mortos, simbolizando a imortalidade da alma. Além dos preceitos religiosos, o simbolismo desta festividade reverbera em lições favoráveis e ricas para pensarmos sobre o desenvolvimento que também podemos encontrar e colocar em movimento dentro de nossas mentes.

Assim como a morte precede a ressurreição na tradição pascal, na psicanálise, o processo de desconstrução e desidentificação com aspectos arcaicos e obsoletos da personalidade é essencial para o surgimento de uma nova consciência. A reflexão sobre as circunstâncias que, muitas vezes, nos levaram ao tropeço e à infelicidade ao longo da vida gerando sofrimentos se faz imperativa. O que escolhemos? Fomos leais a nós mesmos? É a ocasião propícia para vislumbrar novos rumos, novas posturas e escolhas. É a chance de emergir de forma mais sábia, tendo absorvido as lições dos equívocos anteriores. Assim, nossa própria Quaresma pessoal se configura como um período fecundo para o florescimento de uma nova etapa: um renascimento! Assim, abrimos espaço para uma compreensão mais ampla de si mesmo e do mundo ao redor.

O surgimento dessa nova consciência não é um processo linear ou isento de desafios, nem algo que se dá apenas nessa época, mas que deve continuar enquanto estivermos respirando. Assim como na narrativa da Páscoa, onde Cristo enfrenta a morte antes de ressuscitar, no desenvolvimento psíquico, muitas vezes é necessário enfrentar o desconhecido, o caos e a incerteza antes de alcançar uma nova compreensão de si mesmo e do mundo. Como pode-se notar não é mesmo tarefa fácil. No entanto, é nessa jornada de transformação e renascimento que encontramos a oportunidade de transcender nossas limitações e nos tornarmos mais autênticos, compassivos e conscientes de nossa própria humanidade. Assim como a Páscoa nos convida a celebrar a vida renovada, o processo de desenvolvimento do amadurecimento mental nos inspira a abraçar a jornada em direção à integração e ao florescimento pessoal. Desejo a todos uma feliz páscoa e um venturoso processo contínuo de renascimento!

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