Lembro-me de um dia que presenciei uma conversa entre uma avó e um neto falando sobre a morte. Não sei que conhecido distante da família havia morrido e o neto, que tinha seus 10 anos, estava um tanto impactado em se dar conta de que as pessoas morriam. Ele então perguntou a sua avó se ela um dia iria morrer e para a minha surpresa ela respondeu categórica que não ia morrer e nem ia deixa-lo nunca. Na melhor onda “me engana que eu gosto’ os dois negaram a realidade e perderam uma bela oportunidade de aprender coisas difíceis, porém necessárias.

Falar da morte e da própria morte não é algo agradável e nem deve ser feito de forma leviana, mas não dá para tapar o sol com a peneira e achar que vai funcionar. Quando a avó ‘promete’ ao neto que ela não iria morrer e nunca iria deixa-lo, não só há uma mentira explícita como também uma visão distorcida da vida. Essas coisas fazem mais mal que bem porque criam uma falsidade, como se pudéssemos controlar a realidade conforme nosso desejo e como se não tivéssemos limites nenhum.

No momento que o neto pergunta essa difícil questão a avó não poderia negar a realidade. O neto estava se dando conta de algo extremamente importante que é a mortalidade. Não só as pessoas queridas morrem como ele próprio também um dia vai morrer. Não temos promessa de vida eterna, mas todos carregamos uma data de validade. Se dar conta disso é doloroso, mas de vital necessidade para valorizar ainda mais o tempo e as relações que temos disponíveis. Por não termos todo o tempo do mundo e nem garantias acabamos percebendo o quão valioso são certas coisas. É doloroso e assustador perceber tudo isso, contudo se não percebemos não aprendemos a lidar com tudo isso.

Não que a avó precisasse botar o terror e dizer que vai morrer e que isso configura uma tragédia, mas os dois perderam a chance de aprender a entrar em contato com a realidade, mesmo que dolorosa, de uma forma humana e menos assustadora. Tanto a avó negou a sua finitude e os desdobramentos de olhar para isso como também negou a chance de seu neto entender coisas importantes. A realidade carrega eventos dolorosos e não há como nega-los. O que podemos, entretanto, é aprender com esses eventos e nos tornarmos cada vez mais humanos.

Sem contato com a realidade não temos como crescer. Não há como se desenvolver na falsidade. Um mundo de faz de conta que falsamente assegura finais felizes para tudo nos desprepara para o que vamos encontrar em nossas vidas. Os contos de fada originais são repletos de situações dolorosas e perigos os mais diversos. Os protagonistas das histórias tinham que comer o pão amassado pelo diabo e perdiam muitas pessoas importantes ao longo da vida, mas mesmo assim iam se esforçando ao máximo, fazendo das tripas o coração, para encontrar realizações e bem-estar. Nada vinha sem luta. Esses contos traziam perspectivas reais sobre a vida e não prometiam vida sem dor, porém mostravam também que podíamos aprender a lidar com os sofrimentos e crescer com isso.

Ouvi, recentemente, que algumas escolas andam contando para as crianças do jardim da infância a história da Chapeuzinho com um final onde a menina e o Lobo-Mau tornam-se amigos e terminam cantando juntos. Tal como a fala da avó que afirma que não vai morrer essas falsidades nos convidam a negar a realidade. Só que isso é um péssimo negócio.

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A opinião do colunista não é, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina