É bastante comum que me perguntem por que eu torço pelo Fluminense. Afinal, vivo aqui em Londrina, nasci e cresci na capital paulista e tenho com o Rio de Janeiro apenas uma relação de amor incondicional. Foi lá, na ponta da praia do Arpoador, que eu descobri o sentido da existência. E em Laranjeiras, diante do escudo do Fluzão, posso dizer que tive salva a minha vida. Isso, contudo, é uma longa história que não cabe no espaço de “A cidade futura”.

LEIA TAMBÉM:

A era incontornável do constrangimento

Em 2008, no 2 de julho, entristeci-me com a derrota na final da Libertadores em pleno Maracanã. Quem acompanha o futebol brasileiro – e é capaz de fazer análises honestas – reconhece que aquela equipe tricolor encantou o mundo. Foi uma campanha ímpar, repleta de vitórias épicas e jogos fantásticos. O Fluminense percorreu a América e tudo ficou por um triz para o dia nascer feliz. Quiseram os enfezados deuses do futebol que a imensa festa de pó de arroz no mais importante estádio do planeta terminasse em frustração e muitas lágrimas. Como teria repetido Nelson Rodrigues, o silêncio tornou-se ensurdecedor.

Eu levei semanas para superar o baque. Pior: sabia, no meu íntimo, que uma nova final talvez levasse mais de década para acontecer. Dito e feito. Passaram-se quinze longos e quase indescritíveis anos. A mais lancinante dor é a do “quase”.

Sábado passado, meu filho, que completou dezessete anos nesta semana, assistiu à final da Libertadores 2023 comigo pela TV. Hoje, cinquentão, não tenho coração para acompanhar uma partida dessas ao vivo e em cores. Ir ao Rio, por mais que eu tenha cogitado a hipótese, me foi desaconselhado pelo médico. E se ocorresse nova derrota? E se o escrete impressionante de Fábio, Samuel Xavier, Nino, Felipe Melo, Marcelo, André, Martinelli, Keno, Ganso, John Kennedy, Jhon Arias, Cano e outros (competentemente comandado por Fernando Diniz) não superasse o trauma que nos amargurava havia tanto tempo? Eu não saberia lidar com a decepção de meu filho. Juro que não saberia.

Pois bem. Ficamos em Londrina, vestimos os mantos tricolores e cantamos: “Vamos, tricolores! Chegou a hora! Vamos ganhar a Libertadores!” É curioso que passei o último mês dizendo, em voz alta, que Deus abençoasse o Fluminense. Sei que os torcedores do Boca Juniors também creem em Deus e devem ter feito suas muitas preces. Eu e eles, se ainda lúcidos, concordamos que o Criador não se imiscui nessas coisas e tem muito mais o que fazer. Pedir as bençãos divinas, entretanto, foi a forma que encontrei de rogar por justiça, redenção e um pouco de alegria para um coração tricolor que talvez não tenha outros quinze anos para tentar conquistar a América. Era chegada a hora. Toda vez que eu fechava os olhos, juntava-me a tantos ídolos tricolores do passado para curtir o jogo, torcer, sonhar. No hino do Fluzão, há uma passagem profética: “Quem espera sempre alcança”. Só que é uma espera freiriana, de “esperançar”, lutar, ir até o fim.

Em 04 de novembro de 2023, o Fluminense reinventou a América, colorindo-a de verde, branco e grená. Fez um campeonato irretocável, obrigou o mundo a admirá-lo pela simpatia, pelo trabalho exaustivo, por nunca ter abandonado o seu sonho maior. Hoje, não mais seremos. Somos.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.