Vivo no Brasil há trinta anos. Tenho acompanhado o país em todos os momentos após a redemocratização, mas nunca fiquei tão apreensivo como atualmente. Sou uma pessoa de esperança e não me canso de instigar os outros a acreditarem que, apesar do doloroso parto, estamos virando uma página decisiva da nossa história. Acredito piamente que o país que sairá deste imbróglio, será imensamente melhor do que o que entrou nesta complexa e plural crise.

De onde vem minha angústia e apreensão? Como sempre, o que nos aflige como seres racionais é a falta de lógica. Temos imensa dificuldade em lidar com aquilo que vulgarmente chamamos de absurdo. As contradições e as mentiras sistêmicas e institucionalizadas nos confundem e fazem com que o nosso GPS fique momentaneamente perdido. Chamamos a isso perda do sentido. Do sentido como direção, mas do sentido como a essência das próprias ações.

O Brasil viveu uma mentira. O Brasil teima em negar que viveu uma mentira. Personalidades destacadas e sérias instituições, continuam nos confundindo com as suas crenças de que nada aconteceu e de que o direito deve continuar sendo usado conforme os sujeitos que a ele recorrem.

O vulgo ladrão de galinha, deve permanecer preso até que se prove a sua inocência e o pai que levou produtos do mercado para saciar a fome do filho deve ficar na cadeira. Entretanto, e como a Justiça não é para gente sem dinheiro, os que bons advogados podem pagar, ficarão então soltos até que se prove a sua culpa. Mas não é só isso. Quem ocupou determinados cargos merece o perdão tácito de uma nação que se deve reconhecer agradecida pelo sacrifício do exercício desse mandato. Assim, acusar alguém ou julgá-lo por crimes de colarinho branco, é coisa bem mais séria do que o cidadão comum possa imaginar! Aliás, ele está anos luzes de o fazer, pois os números da propina e desvio que lhe chegam todo dia em casa, estão muito além de sua compreensão!

O absurdo sempre nos nocauteia, pois não fomos inventados para lidar com ele. O Supremo Tribunal Federal (STF) é um tribunal constitucional, certo? Mas vive abarrotado de casos que, de tão banais, viram o que poderíamos chamar de crimes comuns. De quem? Dos que, por ofício, têm foro privilegiado. Em bom português, dos que se escondem para não responderem por seus atos! E os causos e causas dos que não concordando com decisões inferiores a ele recorrem? Ficam na fila! Justiça demorada neste país também é (in) justiça. E porque chamamos aos integrantes de ministros? Sabemos que são nomeados pelo Executivo. E por que não podemos discordar de suas decisões se nem sempre (ou quase nunca) são unânimes? E aqui, também muitas delas nos parecem absurdas e mais uma vez nos tumultuam o sentido! Pobre brasileiro! Recorrer a quem?

O país precisa de um choque. Não de uma guerra, pois o número de vítimas já é maior do que em guerras de verdade! Nem de calamidade climática, pois são os mais fracos e vulneráveis que geralmente morrem. O Brasil precisa de um choque de coerência que nos devolva a verdade. Chega de mentira!

As trevas densas dos últimos anos aperfeiçoaram o assalto à alma do brasileiro; roubaram-lhe a merenda escolar, os remédios do posto, e principalmente a dignidade e a crença. O crime se travestiu de paletó e gravata. Ou melhor, o colarinho branco o aperfeiçoou! Não é negando, desculpando, ignorando ou soltando, que venceremos este momento delicado.

Temo que a ideologia arcaica e doente que até ontem nos dividia em blocos, continue acirrando ânimos e fazendo da mentira a arma de defesa de trincheiras fétidas. Temo que mesmo dentro da minha Instituição, a verdade tenha dificuldade de nos libertar!

MANUEL JOAQUIM R. DOS SANTOS é padre na Arquidiocese de Londrina

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