Segundo Aristóteles, em sua obra "Ética a Nicomaco", a virtude é entendida como uma "pré" disposição ou qualidade inata para o bem, que pode ser acessada por meio da reflexão e desenvolvida através do hábito e da força da vontade. "É praticando as ações justas que nos tornamos justos, é exercitando ações moderadas que nos tornamos moderados e é praticando ações corajosas que nos tornamos corajosos". Conforme esta percepção, a virtude é a conjugação entre reflexão e disciplina numa busca incessante pelo equilíbrio que separa dois vícios. Coragem é virtude, mas o seu extremo leva à inconsequência e a sua ausência se traduz em covardia, algo também defendido por Sidarta Gautama, o Buda, ao defender o caminho do meio, a prática de não extremismos, a moderação como via para a iluminação, o que se distancia dos dualismos reducionistas.

O nosso período histórico tem sido particularmente pródigo em exaltar a supremacia do "eu" em detrimento do "nós", a inflação do ego naturalizou-se e reveste-se de marketing pessoal. Vive-se um culto fundamentalista à vaidade e ao exibicionismo, em que mais importante do que ser é parecer ser, imagem é tudo, já dizia a propaganda. Tudo passou a ser ranqueado e estratificado, em que para alguns serem exaltados, outros têm que ser rebaixados, a coexistência passou a representar necessariamente exclusão.

Ao longo da história humana foi cultuada uma infinidade de valores que procuraram talhar a moral de sua época e imprimir uma determinada forma de sociabilidade. Na Idade Média, exaltaram-se as virtudes teológicas cristãs, fé, esperança e caridade, a tradição budista enalteceu o desapego e a compaixão, no Iluminismo teve lugar o culto à razão em que se acreditava poder conduzir à verdade plena e à justiça. Porém, na atualidade, alguns comportamentos, antes condenados, elevaram-se à categoria de "virtude", é o caso da competitividade e da autossuficiência, que se confrontam com virtudes clássicas, como a humildade e a simplicidade, hoje percebidas por muitos como sinais de inferioridade.

No livro "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes", do filosofo Francês André Comte –Sponville, a humildade e a simplicidade destacam-se entre as virtudes mais humanizantes. A humildade não é a depreciação de si, não é ignorância do que somos, mas ao contrário, conhecimento, ou reconhecimento, de tudo o que não somos, pois o contrário dela é o orgulho e a soberba e estes não passa de ignorância, haja vista que os mais generosos e sábios costumam ser os mais humildes.

O humilde e simples não se louva, se glorifica ou se exalta, pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência, prefere a transparência e a leveza de não querer ser idolatrado, pois não quer viver de fantasias ou como um ator que se esconde atrás de máscaras, tem a coragem de ser quem é, algo cada vez mais raro e precioso.

Simplicidade é liberdade, leveza, transparência e desprendimento, principalmente de si mesmo. Simplicidade é espontaneidade, improvisação, desprendimento, despreocupação por parecer, é o contrário do narcisismo que não vê senão a si mesmo. O "eu" nada mais é do que o conjunto das ilusões acerca de si mesmo. A absoluta simplicidade é sempre generosa, abre-se e acolhe o outro visto como parte de si mesmo.

A simplicidade é a verdade das virtudes, pois a virtude só é virtude quando deixa de se ocupar do parecer e da preocupação de ser.O simples é aquele que não simula, que não presta atenção em si e na sua imagem, na sua reputação, que não calcula nem tem artimanhas nem segredos, nem tem segundas intenções, programas ou projeções, é o que é, simplesmente. Simplicidade é esquecimento de si, de seu orgulho e de seu medo, é quietude, é liberdade de quem não tem nada a proteger, é o amor contra o aprisionamento em torno do amor próprio.

LUÍS MIGUEL LUZIO DOS SANTOS é professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina)

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