Quem não repatriou que se prepare!

Há três anos a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Grupo dos 20 (G20) aprovaram o Padrão de Declaração Comum (Common Reporting Standard – CRS) que serve de base para troca anual de informações financeiras entre administrações tributárias.

Por intermédio do CRS, autoridades fiscais da jurisdição do titular de ativos financeiros situados no exterior passarão a conhecer, caso não devidamente informado pelo contribuinte, os investimentos e as movimentações financeiras realizadas em outras jurisdições. Como se vê, trata-se de poderoso instrumento posto à disposição das administrações para o combate da evasão fiscal.

Para se ter uma ideia do estágio do projeto, vale mencionar que das 102 jurisdições que se comprometeram a implementar o CRS, aproximadamente, metade já iniciou o processo de troca de informações financeiras. E que, de acordo com os últimos informes emitidos, as demais jurisdições principiarão as trocas ainda neste mês.

Induvidoso que o sucesso da implementação do CRS requer que a legislação doméstica assegure que as instituições financeiras identifiquem e reportem corretamente as informações de não residentes à administração tributária jurisdicionante e que a estrutura legal internacional para execução da troca automática do CRS permita o adequado funcionamento.

Comumente, o roteiro utilizado para pôr em marcha a estrutura legal internacional se dá mediante Acordo Multilateral de Autoridades Competentes (Multilateral Competent Authority Agreement – CRS-MCAA), por meio do qual se define o alcance, a periodicidade e as condições de troca de informações. O CRS-MCAA é baseado na Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária. Até o mês passado, 95 jurisdições tinham subscrito o CRS-MCAA.

Enquanto o CRS-MCAA é um acordo multilateral, a troca de informações realizada mediante CRS é, por natureza, bilateral, cumprindo a cada país tanto o preparo da estrutura interna para troca de informações quanto a celebração do pertinente acordo. Atualmente, há mais de dois mil acordos bilaterais ao redor do mundo para troca de informações segundo o modelo CRS.

Considerando os significativos números citados, é notável como o início das trocas municiará as administrações com uma superlativa quantidade de informações, permitindo assim, no curto ou médio prazo, alcançar aqueles que não cumpriram com suas obrigações tributárias. Daí por que se advertir: quem não repatriou que se prepare!


ANTONIO SEPÚLVEDA é professor e doutorando em Direito/UERJ e pesquisador do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições (Letaci/PPGD/UFRJ)

***



Uma asneira chamada escola sem partido

O verniz na superficialidade do projeto de lei (PL) 26/2017, denominado "Escola sem partido", se desgasta em sua primeira análise mais profunda. À primeira vista, apresenta uma proposta razoável do ponto de vista ético, uma vez que, estabelece o devido respeito e imparcialidade do professor mediante as diferentes convicções de seus alunos e respectivas famílias. O PL argumenta sobre a influência do professor sobre o aluno, a suposta doutrinação realizada por este, no que tange principalmente os valores morais e religiosos. Defende que o ponto de vista do professor com relação às questões ideológicas, jamais seja exposto, restringindo-se apenas ao conteúdo específico da aula.

A pergunta é: qual o conteúdo da aula? Quais serão os desdobramentos deste conteúdo? As discussões sobre este conteúdo poderão enriquecer a aula, promovendo o debate, a crítica, a troca de opiniões, os argumentos, e poderão levar professor e alunos a um campo de discussão saudável e necessário, tal qual se deseja que seja a escola? Por não sustentar-se a partir destas simples indagações, o PL já perdeu seu verniz e sua proposta mostra-se enfraquecida. O verdadeiro objetivo deste projeto é fazer prevalecer o conservadorismo moral e político, a censura, a desvalorização do conhecimento científico e a consequente mediocrização do indivíduo em formação, mediante a proibição de assuntos que, de acordo com o Artigo 205 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente cabem também ao Estado e não apenas à família.

Idealizadores do PL afirmam que a proposta nada tem a ver com pedagogia. Esta afirmação comprova que tal ideia, só poderia provir de quem não conhece a sala de aula. É preciso que saibam que a aula não pode ser formatada em moldes predefinidos, onde nada possa escapar de seu planejamento inicial. A menos que se planeje ministrar aulas para robôs. As aulas mais eficazes são aquelas que extrapolam os resultados que o professor previu e que fizeram conexões com outros conhecimentos, que abarcaram outros níveis de saberes e que produziram o máximo de informações e possibilidades de reflexões. É preciso que saibam também que a boa aula não pode ser um processo predeterminado de começo, meio e fim. A condução de uma aula é regida pela inferência e interlocução entre seus agentes e o professor, como mediador, não pode ser silenciado.

Pela ótica deste projeto, o professor é visto como mero transmissor de conhecimento. A psicologia e a pedagogia, indispensáveis à prática docente, devem preparam o professor para situações inusitadas, uma vez que, seu objeto de estudo não é apenas o conteúdo que irá ministrar em suas aulas, mas também o ser humano que estará em outro extremo e que receberá este conteúdo, reagindo a ele, de acordo com as bagagens emocionais e valorativas que traz consigo. Em outras palavras, a relação entre professor e aluno vai além da obrigação de um currículo conteudista. Não raro, o professor encontra alunos que o veem como único amigo, único confidente que possa lhe ajudar a superar um conflito de ordem pessoal ou familiar, que possa estar prejudicando seu desempenho escolar. Portanto, dizer que assuntos como sexualidade, gênero, religião e política são atribuições exclusivamente da família é ignorar a preciosa contribuição do educador na formação integral do educando, especialmente nos casos em que a família não está preparada para dar este suporte.

Este projeto maximiza eventuais situações em que um professor mais apaixonado pode expor suas convicções, em detrimento dos verdadeiros e graves problemas da educação que urgem por solução. Uma escola sem professores bem preparados, sem condições de trabalho digno para estes profissionais, sem salários decentes, sem recursos materiais e humanos, sem perspectiva de valorização, sem atenção de suas mantenedoras não precisa de um projeto de lei que se preocupe com uma causa tão irrelevante como a escola sem partido.

Com esta discussão inútil, a sociedade corre o risco de sofrer uma perda irreparável, que é pôr em risco o último atrativo que resta para se formar um mestre: sua liberdade de cátedra. Com estes supostos deveres, cuja proposta deveria ser afixada em todas as salas de aula, com o intuito de silenciar e constranger o professor, este perde seu sagrado direito de ensinar espontaneamente e o aluno deixa de ter a escola como ambiente de discussões, reflexões e crítica, requisitos indispensáveis à sua formação cidadã.

MALU SILVA é professora da rede estadual de ensino em Londrina

• Os artigos devem conter dados autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. Os artigos publicados não refletem necessariamente a opinião do jornal. E-mail: [email protected] •