A barbárie em cada um de nós

A vida civilizada seria impossível sem contenção dos nossos impulsos agressivos. Freud em seu famoso trabalho "Mal estar na civilização" deixou claro que todos nós carregamos impulsos de natureza agressiva que se não forem devidamente contidos e elaborados são um sério risco à sociedade. Sem contenção imperaria a lei do mais forte e a humanidade não poderia se desenvolver. O que está acontecendo no estado do Espírito Santo mostra bem a barbárie que existe em cada um de nós quando não há contenção.

Foi só a polícia se retirar das ruas que o pandemônio se instalou rapidamente. E não foram só ladrões que saquearam lojas e mercados, depredaram, assaltaram e criaram terror, mas cidadãos de bem que nunca haviam praticado atos dessa magnitude. Se tivesse sido apenas os bandidos, entenderíamos que a falta da força policial deixou o terreno aberto para os crimes. Todavia, homens e mulheres comuns, sem passagem pelo crime, mostraram que internamente são selvagens e que nunca desenvolveram uma verdadeira contenção para com seus impulsos.
Quem não construiu dentro de si contenção fica sujeito aos próprios impulsos e para de pensar. Agem como bestas sem limites e creem que tudo podem. O fato de não haver polícia deu a sensação de que tudo era uma festa sem fronteiras para satisfazer o que de mais primitivo havia em suas mentes. É a lei do mais forte e esta lei é o fim do respeito que preserva a vida em sociedade. Mais do que a falta dos serviços da polícia o que falta é uma mente que tenha se desenvolvido a contento para não cair nos impulsos primitivos.

Por contenção não me refiro a repressão. De nada adianta viver uma repressão maciça na mente. Isto também gera sofrimento. Contenção é o meio do caminho entre a selvageria e a ditadura. Viver bem e em sociedade significa entender que nem tudo se pode e se deve. Diferentemente dos brasileiros, quando houve a tsunami no Japão deixando tanta gente desabrigada, os japoneses não incorreram em nenhum crime. Será que os japoneses não têm impulsos agressivos ou será que eles desenvolveram uma mente que lida melhor com a primitividade? Precisamos de uma educação sentimental que nos dê meios para conter o que há de mais selvagem dentro de nós.

SYLVIO DO AMARAL SCHREINER é psicoterapeuta em Londrina

[SE]

O inimigo vai ao tribunal

Existe um fenômeno perverso em curso no Brasil que atende pelo nome de "direito penal do inimigo". O conceito foi proposto pelo jurista alemão Günther Jakobs nos anos 1980. Funciona assim: algumas pessoas são apontadas como inimigas da sociedade. A partir daí, perdem todas as garantias a que teriam direito como cidadãos. O importante é neutralizá-los a qualquer custo. Violações de sigilo telefônico entre clientes e advogados são um exemplo disso.

Vazamentos seletivos, idem, assim como conduções coercitivas de pessoas que nunca manifestaram qualquer objeção a falar voluntariamente a investigadores. Não há aqui qualquer defesa da ilegalidade. Pelo contrário: o cenário descortinado pela Lava Jato é realmente assustador e merece, como toda infração penal, a resposta estatal adequada. O problema consiste na utilização da boa-fé criada na opinião pública pela Lava Jato para ignorar as bases do nosso ordenamento legal. Cito dois casos, um do Judiciário e outro do Ministério Público Federal (MPF).

No fim de 2016, o Tribunal Federal da 4ª Região (Sul) decidiu isentar os operadores da Lava Jato de seguirem o "regramento genérico, destinado aos casos comuns" diante do ineditismo das investigações. Se não é necessário seguir o "regramento genérico", estarão liberados os magistrados para legislar? Mais recentemente, procuradores do MPF pediram, entre outras medidas, que toda a diretoria de uma empresa, a Eldorado Celulose, fosse destituída, por causa de suspeitas sobre dois executivos. É uma ofensa gritante à noção de individualização das sanções, que norteia todo o nosso sistema legal – não se restringe os direitos de grupos genéricos, mas sim de pessoas, por suas ações específicas.

A petição ainda busca substituir tal diretoria por representantes de fundos que detêm apenas 17% da empresa, uma espécie de desapropriação com chancela estatal. Na área econômica, a intromissão indevida do Estado na iniciativa privada causa insegurança jurídica entre investidores, minando o crescimento do país, e põe em risco o sustento do pequeno empreendedor. Quando os agentes estatais passam ter salvo-conduto, o inimigo pode estar em qualquer lugar - ou ser qualquer um de nós.

FELIPE SANTA CRUZ é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB/RJ)

Aposentadoria precoce: devaneios

Depois desse projeto que um nobre deputado federal enviou à Câmara Federal, no qual um parlamentar pode se aposentar após um ano de mandato, com certeza, chegamos ao fundo do poço. Acho que devemos fazer uma reforma geral, começando da estaca zero. Não adianta remendar como quer o nosso presidente Michel Temer, pois o sistema está corrompido. Vale a pena lembrar o Rio de Janeiro onde três governadores foram acusados de desvio de dinheiro e dois já estão presos.

Em São Paulo, o Ministério Público acusa nove pessoas pelo desvio de R$ 26 milhões da obra do metrô. No Brasil, 33% das casas não estão ligadas à rede de esgoto, o que deixa essas famílias à mercê de doenças. Em vários Estados a situação carcerária está depauperada. A ex-presidente Dilma Rousseff, que foi defenestrada da Presidência da República por má gestão da coisa pública, viaja pelo mundo falando mal do nosso país e, o que é pior, com o nosso dinheiro. Os valores a ela destinados daria para mitigar a fome de centenas de brasileiros que literalmente morrem de fome pelo país afora. O que poderia, na melhor das hipóteses, seria uma aposentadoria pelo teto INSS, se já tivesse tempo de contribuição ou idade. Nada mais. Precisamos cortar na carne, senão vira só encenação.

O rombo nas contas públicas é de 9,5% do PIB e só perde para a Venezuela, segundo o Credit Suisse. Países que recentemente tiveram à beira de "quebrar", como Grécia, Espanha e Portugal, não encontraram um déficit tão alarmante. Por essas situações e por outras tantas falcatruas, é preciso conclamar toda a população através das redes sociais para que, de maneira ordeira e pacata, se una para criar um novo sistema de governo. O sistema atual está prostituído; precisamos começar do zero e, como foi feito anteriormente por ocasião do impeachment, mostremos aos homens que dirigem a nação que já não suportamos mais as mazelas por eles praticadas. O povo, como um todo é muito forte.

Quero crer que os nobres deputados, senadores, vereadores e políticos de uma maneira geral não resistirão ao apelo e deporão, sem luta física, seus cargos. E ai deles se assim não fizerem. Após isso, seria estabelecido que cada Estado elegeria um deputado federal a cada 1 milhão de habitantes, apenas um senador e também uma proporcionalidade para a eleição de vereador. A remuneração maior seria do senador que receberia no máximo R$ 30 mil, um deputado federal 70% deste valor e um vereador no máximo 20%. Os deputados estaduais trilhariam pelo mesmo caminho. Os políticos não receberiam mais benesses alguma e teriam que trabalhar 40 horas semanais sob o risco de sofrerem descontos em seus vencimentos se assim não o fizerem. Aluguel, viagens, combustível, ficaria tudo às suas expensas, não cabendo ao Estado nenhuma obrigação pecuniária. Eles, os políticos, se aposentariam pelo INSS, igual a nós simples mortais. Depois de tudo isso organizado, far-se-ia uma eleição geral. Inclusive, para presidente da República. Após isso, sem roubalheiras e com a arrecadação trilionária de impostos que temos, tenho certeza que viveríamos semelhante a Alice no País das Maravilhas.

Para tal afirmação, uso o meu caso, pois nos últimos seis meses que estou residindo na Europa para tratamento de saúde, senti na pele, de maneira gritante, a diferença de tratamento. Não que não tenhamos no Brasil excelentes médicos. Temos ótimos especialistas, mas aí na nossa terra o sistema hospitalar público é totalmente falido. Moro atualmente em Figueiró dos Vinhos que é uma pequena cidade que não tem mais de 6 mil habitantes. Faço meu tratamento no Instituto Português de Oncologia ( IPO) na cidade de Coimbra, que dista 38 km de minha residência e é uma referência para tratamento de câncer para toda a Europa. Nos dias previamente agendados, logo cedo às 7 horas, chega à minha residência uma ambulância que me conduz, juntamente com um acompanhante até o hospital. Lá chegando, faço análises (exame de sangue) e após isso nos é servido um ótimo dejejum tanto para mim como para a acompanhante. Em seguida, consulta com o endocrinologista e depois com uma enfermeira especialista que nos orienta como devemos nos alimentar para uma boa saúde.

Por volta das 12 horas, eles oferecem almoço e, se não estivermos a fim de encarar uma famigerada comida de hospital, tem anexo um restaurante, que a preços módicos (6,50 Euros), nos serve uma ótima refeição. Após o almoço, consulta com o oncologista (exame de sangue já pronto) e em seguida a aplicação de uma sessão de quimioterapia que demora cerca de 3 horas. Por volta das 17h, com todos os procedimentos concluídos, a ambulância, que manteve contato permanente por celular, me transporta e me devolve ao lar. E, pasmem senhores, tudo isso por conta do governo como se fosse nosso SUS. Eles aqui, em Portugal, ainda não descobriram o mensalão, o petrolão, etc., e, por isso, o dinheiro arrecadado em impostos é revertido para o bem-estar da população.

Depois disso, é só torcer para que não venha nenhum pai da pátria fatiar as nossas aspirações, pois elas fazem parte do nosso ser e, nesse caso, deixam de ser um simples devaneio. Essas considerações me faz lembrar Platão em sua "Alegoria da caverna", onde um personagem conseguiu sair da escuridão da caverna onde vivia, e viu a luz que existia em um outro ambiente, mas ao voltar quis relatar a seus pares e estes não acreditaram que poderia haver luz tão perto de onde eles estavam, preferiram viver, talvez por comodismo, na trevas.

EDSON MEDARDO SACARCHETTI é bacharel em Teologia pela PUC Londrina e reside em Figueiró dos Vinhos (Portugal)

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