Viver implica muito mais do que apenas sobreviver e esperar a morte. Há muito entre o começo da vida e a chegada da morte. É principalmente a qualidade de nossas vivências que trazem sabor e cor à existência. Estamos cada vez mais conscientes ou atentos ao que devemos abraçar ou abrir mão para ter uma vida saudável e prazerosa. Procuramos, na maior parte da vezes, encontrar e criar formas de se viver com mais eficiência. Será que temos o mesmo cuidado com o fim da vida? Será que procuramos meios para morrer com dignidade?

É um fato que uma hora a vida acaba. Não temos como vencer a morte e pensar nisso é uma arrogância do ser humano que, frequentemente, se acha fora da natureza e, por isso, mesmo fora dos processos naturais que envolvem todos. Por mais doloroso que seja, a morte não possui nada de anormal e monstruoso, sendo apenas parte da vida. Por ser inerente aos processos naturais a que estamos submetidos, se faz importante olhar e refletir sobre como estamos vivendo a morte atualmente. Em outras palavras, a pergunta que devemos pensar é como estamos morrendo hoje em dia?

Não muitos anos atrás morria-se em casa, cercado pela família e conhecidos, na própria cama que por anos dormiu-se. A casa era o local para a vida. Tanto para o nascimento quanto para a morte. E entre um e outro havia as festas, as celebrações, os desentendimentos, os casamentos, a paternidade e maternidade, as perdas, as alegrias e tristezas que fazem parte da vida de qualquer um. Parece, infelizmente, que hoje a morte foi expulsa de casa e confinada nos estéreis hospitais. Um ambiente asséptico de humanidade.

Hoje as pessoas recorrem aos hospitais quando se trata de alguém que está perto da morte. Evidentemente, há recursos maravilhosos nesses lugares e quem tem dinheiro pode se valer de muitos deles que ajudam muito a trazer alívios. No entanto, também não podemos fechar os olhos para o fato de que morrer se tornou um negócio lucrativo e desumanizador. Prolonga-se artificialmente a vida, a todo custo, quando seria mais humano morrer dignamente. Morrer não é indigno, mas viver precariamente é sim muito indigno e desnecessário.

Um médico norte-americano escreveu um importante artigo sobre como os médicos morrem e é surpreendente notar que a grande maioria deles não aceita os tratamentos que vendem e impõem aos próprios pacientes. Quando se descobrem portadores de algum mal eles não querem cirurgias intrusivas, nem tratamentos com grandes e intensos efeitos colaterais, mas desejam apenas tratamentos que lhe tirem a dor e o deixem morrer o mais rápido e humanamente possível. Não querem para si o prolongamento de uma pseudo vida, cheia de prejuízos e impedimentos. Já com seus pacientes a história é outra. Eles propõem métodos muitos dolorosos que muitas vezes só prolongam um sofrimento. Talvez, por lidarem quase que diariamente com a morte, os médicos a aceitam melhor e sabem que não têm como evitar o inevitável. Procuram morrer bem. Outras pessoas, por outro lado, querem vencer a morte e terminam por prolongar uma não vida.

Assim como buscamos, dia a dia, viver com a maior qualidade possível deveríamos também procurar morrer com qualidade. Para isso, se faz necessário compreender e aceitar que a vida traz a morte. Não somos melhores que a natureza que nos criou e nem temos como escapar dela. Choremos as mortes de nossos queridos, mas não precisamos fazer dela uma coisa anormal e nem vê-la como um fracasso da vida. Afinal, o que importa é como vamos viver, como vamos lidar com as experiências que nos acontecem entre esse tempo, que pode ser curto ou longo, que se dá entre a vida e a morte.

SYLVIO DO AMARAL SCHREINER é psicoterapeuta em Londrina

■ Os ar­ti­gos de­vem con­ter da­dos do au­tor e ter no má­xi­mo 3.800 ca­rac­te­res e no mí­ni­mo 1.500 ca­rac­te­res. Os ar­ti­gos pu­bli­ca­dos não re­fle­tem ne­ces­sa­ria­men­te a opi­nião do jor­nal. E-­mail: opi­niao@fo­lha­de­lon­dri­na.com.br