Nestas férias tiramos a manhã para ver a feirinha de artesanato do Largo das Ordem em Curitiba. Feirinha só no nome porque ela é extensa. E tem de tudo um pouco. Moedas, livros, gibis e objetos antigos, quadros, artesanato de madeira de todo tipo, panos de prato bordados e pintados à mão, bottons, comidas variadas, tocadores de violão, grupo de chorinho e muito mais.
Saímos de praia de Leste e chegamos a Curitiba mais rápido dessa vez graças ao GPS.(Guardei o mapa no porta-luvas por precaução). Agora tem o aplicativo em celular, ainda bem, pois sempre me perdia em Curitiba. E olha que leio bem as placas.
Chegamos. Estacionei num local perto da exposição de carros antigos. Achei que a feirinha era perto, mas estava a uns três quarteirões, conforme vimos depois. Coisas do GPS. Como não vi a feirinha logo de cara usei o ditado: "quem tem boca vai a Roma" e perguntei a um grupo de senhores que estavam conversando junto a um gari.
Imaginei que eles iam me despedir logo para continuar a conversa quando um senhor se prontificou a nos levar lá. De início quase fiz menção em não aceitar num misto de não incomodar e um certo receio em ajuda de estranhos, pois eu só queria a informação, mas prevaleceu a disponibilidade e a sincera solicitude que aquele senhor nos oferecia.
Me fez lembrar de quando eu era criança e as pessoas sempre tratavam de modo educado os outros. Lembrei de situações que vi mais de uma vez, como gente descendo de um automóvel e ajudando outro a empurrar carro enguiçado no meio da rua no maior sol da tarde em Londrina.
Um turbilhão de pensamentos me passou pela cabeça, imaginando quem seria aquele senhor. Numa época de tantas desconfianças neste mundo a gente preza sempre pela nossa segurança. E lá estávamos nós acompanhados por aquele homem desconhecido a nos levar pelo centro de Curitiba. Passamos pelo Bondinho da Leitura e subimos uma rua em direção à igreja de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.
A conversa fluiu e parecíamos conhecidos todos já há muito tempo. Contou que se formou em química, era aposentado, descendente de poloneses, escreve poesias e tem um livro quase acabado e pensa em publicar quando terminá-lo. Deixou-nos no início da feirinha do Largo das Ordem e nos despedimos após agradecê-lo. Ele disse que logo ali havia um grupo que se reunia para discutir literatura e poesia. Era o seu destino.

Imagem ilustrativa da imagem Solicitude



A impressão de Curitiba é de uma cidade culturalmente efervescente. Lembro do meu primeiro contato com a literatura curitibana ao ler "Uma vela para Dario", de Dalton Trevisan, num livro escolar, e pensei: "o autor que escreveu isso não precisa escrever mais nada na vida porque escreveu uma obra prima".
Escreveu sobre a indiferença do ser humano. Descobri mais tarde que escrever é uma atividade e não um fim em si mesmo. E quando nos despedimos de nosso ilustre guia percebi isso. Seus setenta e poucos anos me disseram tacitamente que devemos ininterruptamente estar à disposição dos outros e ter atividades que nos façam sempre úteis. Talvez seja isso que esteja faltando para nossa sociedade ultimamente. Deixar de atropelar os outros e ser mais solidária, mais humana com as pessoas. Ficamos tão atônitos com os noticiários que esquecemos de exercer nossa solidariedade como no conto de Dalton Trevisan.
A solicitude ainda existe, permanece no meio de nós e não é só uma lembrança do passado de quando nossos pais vieram colonizar esse nosso amado Estado do Paraná. Ela se faz pessoa e pode ser encontrada no círculo de poetas no largo da Ordem de Curitiba aos domingos.

Dailton Martins, leitor da FOLHA