Numa viagem de ônibus ouvi a conversa de dois estudantes de Direito. De cinco em cinco minutos um dizia ao outro: "Carai,véio"! Pensei no futuro, imaginando os dois num tribunal, defendendo seus clientes e deixando escapar ao juiz: "Carai, véio!"
Ainda estranho o encolhimento da língua, a abreviação de tudo, e isso não tem nada a ver com preconceito, mas com a observação de que o diálogo empobrece ficando limitado a um repertório de uma dúzia de expressões por horas a fio. No ônibus, a conversa dos estudantes não evoluiu muito além disso em 6 horas de viagem.
Quando argumento sobre isso meus filhos estranham, acham que rejeito a "fala popular" buscando os padrões que,segundo eles, são impostos pela elite. Tento contra argumentar dizendo que nada tenho contra a elite cultural que, por sua vez, nada tem a ver com a elite econômica à qual, por sinal, muitos intelectuais fazem oposição. Mesmo assim parece que observações sobre a linguagem passam hoje por um crivo que não deixa de ser parte do "politicamente correto" que sem querer admitir tudo também tudo admite para não contrariar princípios que no fim passam da defesa da massa para a massificação.

Imagem ilustrativa da imagem Internetês na ponta da língua
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



O uso corrente de palavras pela metade faz parte da utilização contínua da internet, na qual a simultaneidade leva à pressa de falar sobre tudo em códigos. Muitas escolas não consideram isso um problema, tendo em vista que apesar da linguagem cifrada o uso da internet tem dado bons resultados. Segundo as pesquisas, os jovens se expressam melhor pelo hábito de terem longos bate-papos onde exercitam a "sua língua" com o uso de abreviações, isso daria à conversa uma aparência de diálogo em tempo real, tendo em vista que não se escreve tão rápido quanto se fala. Ao mesmo tempo, as escolas não permitem o uso do internetês nas provas, prevalecendo a linguagem padrão. Neste caso, parece que as pessoas vivem em dois planos de cultura, um para a vida, outro para a escola, mas se os especialistas dizem que isso não é problema, quem sou para problematizar.
Na outra ponta da educação, existe sim uma preocupação não com a abreviação das palavras, mas com os erros de ortografia que acompanham o processo. É comum encontrar na internet palavras como "resolvel", "intão" e "considerá", sem contar aquela vontade profunda de "matar ela." Mas neste caso, segundo alguns educadores, o problema não é exatamente da internet, ela seria apenas "cúmplice do crime."
O problema, segundo eles, seria resolvido com mais leitura de jornais, revistas e livros. Mas sabemos que as novas gerações não têm muito interesse além da telinha, a não ser que o incetivo à leitura continue a fazer gols como aqui em Londrina, onde pesquisa revela que o projeto Palavras Andantes - iniciativa da rede pública de ensino através das Bibliotecas Escolares que está completando 15 anos - fez saltar o índice de leitura das crianças para quatro livros em média por mês, o que é muito maior do que outros índices do país.
Tudo indica que o caminho da preservação da leitura e da língua sem erros crassos passa por iniciativas que oferecem outras atividades – como horas do conto, criação e interpretação de textos - além do tempo passado diante das telas do computador que é apenas "cúmplice dos crimes".
Mais do que o meio, o que importa é o conteúdo que se oferece às crianças para que elas não cresçam pensando que toda comunicação se resolve com um "carai, véio!"

De minha parte, apesar do senso crítico, me divirto com a criatividade juvenil capaz de criar expressões como blz (beleza), fmz (firmeza), xou xiqui (sou chique) e outras derrapadas. Em todo caso, escrever bem e conhecer a língua continua sendo importante e isso está muito além da criação da identidade de grupos a partir da linguagem. Como ensinava Stanislaw Ponte Preta: "Quem gosta de doce de coco sabe a importância de um circunflexo."

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