A menos de dez dias do Natal, no país onde a política é campeã mundial de escândalos, os torcedores do Flamengo protagonizaram cenas de selvageria no Maracanã durante a decisão da Copa Sul Americana com o Independiente, da Argentina. Ah! Se aquela multidão tivesse ajudado a por Sérgio Cabral para correr. Ah! Se aquela multidão invadisse com a mesma fúria o Congresso Nacional no qual personagens do escracho fazem e acontecem com a legislação, atropelando direitos sem dar satisfação ao povo, de olho nas eleições de 2018 da qual esperam sair vitoriosos, num ato que se consuma como o maior escárnio político em nível mundial.

Queria estar aqui falando da decoração de Natal, de como os presépios e as cantatas trazem esperança, mas vejo o país realizar nos estádios o ritual de sua fúria e frustração a menos dez dias do Natal, o noticiário não poupa ninguém dos fatos.

As provocações e brigas das torcidas no Maracanã deixam a constatação de que o exemplo das arenas romanas se perpetuaram nos séculos, como marca indelével da "civilização" que ritualiza a infelicidade geral pedindo sangue. E isso não é uma metáfora.

Das cenas da última quarta-feira, uma das mais chocantes foi a do torcedor do Flamengo que levou ao estádio um submarino de cartolina onde se lia Independiente, numa referência ao submarino argentino que explodiu recentemente e deixou cerca de 40 mortos, numa das piores tragédias do ano.

Imagem ilustrativa da imagem Gol contra a nação
| Foto: Ilustração: Marco Jacobsen



No mais, foi aquela tristeza ao ver o senso comum tomar tudo como "reação normal de torcidas", enquanto um hotel de Copacabana era atingido por morteiros antes do jogo porque os brasileiros acreditavam que os argentinos estavam ali hospedados.

No entorno do estádio armou-se uma confusão antes da partida e mesmo dentro do Maracanã foi difícil a polícia conter os ânimos, enquanto torcedores gritavam: "A polícia é despreparada, mano." Mas não é bem assim, mano. A população também é despreparada, as torcidas são despreparadas, o cidadão brasileiro é o campeão do despreparo ao encenar um espetáculo triste num estádio, enquanto age como mosca morta diante do descalabro político.

Se os que torcem pelo Brasil corressem com tanta fúria atrás de Temer, Lula e Bolsonaro eu até entenderia porque iria supor que eles, enfim, decifraram o engodo. Mas que nada, eles correm atrás de si mesmos, provocando, acusando e batendo como quem briga com moinhos de vento. Talvez a psicanálise explique a catarse dos furiosos em jogos nos quais torcedores são capazes de matar e morrer em nome de um time, consumando o que seria diversão como tragédia.

Na manhã depois do jogo em que os argentinos saíram num ônibus, mostrando o troféu conquistado - enquanto a turba brasileira atirava paus e pedras como se renascesse dos embates pré-históricos –, trataram de limpar rapidamente o entorno do estádio, mas ainda havia no chão balas de borracha, pedras e rojões que foram usados como arma. Na televisão, cenas do dia anterior ainda davam conta de veículos cercados e depredados, enquanto ladrões de galinha aproveitavam a confusão para roubar celulares. O que talvez não signifique muito mesmo num país no qual políticos transportam dinheiro em malas, acumulam barras de ouro como Ali Babás verde-amarelos e usam "laranjas" para adquirir imóveis enquanto posam de gurus em caravanas com um séquito que os aplaude como salvadores da pátria.

De minha parte, a dez dias do Natal não tenho muita esperança, o país dos estádios se transformou, afinal, no país dos escombros. Poucos lucram com isso, enquanto a maioria, a turba, a população, o populacho se dedica à guerra civil na qual as pessoas agredidas, machucadas, pisoteadas valem menos que um gol. E a TV ainda promove o disparate de mostrar "os melhores momentos do jogo."