Nos últimos meses tenho observado em publicações especializadas a enorme insatisfação dos professores e professoras com a plataformização do ensino. Na contrapartida, percebo que fora dos nichos essa discussão não repercute na imprensa como deveria.

A educação constrói o País. Por isso, acho sensato ouvir com mais acuidade o que os professores têm a dizer com reconhecimento e respeito, com a audição sem fones de ouvido.

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A plataformização do ensino nas escolas públicas, não só do Paraná como de outros estados, parece aquela dose de "remédio" que o paciente é forçado a engolir, de forma que o remédio se transforma num castigo.

Há muito o que consertar na educação pública, desde a falta de condições de trabalho às salas desequipadas em escolas onde há goteiras e banheiros à espera de reformas. Mas, quase num passe de mágica, as escolinhas rurais ou de bairros, ainda sem computadores suficientes ou mesmo sem conexão, são encaminhadas para a tecnologia do século 21 como se tivessem uma condição de ponta. A questão é que nem tudo se resume a condições tecnológicas, o conhecimento deve ser transmitido numa conexão que depende muito mais das relações humanas do que de quantos tablets dispõe a escola.

Tenho na memória o jeito peculiar de cada professor que faz parte da minha história. Lembro-me como o professor de matemática mantinha o humor para ensinar equações a uma turma de insubordinados que, acima de tudo, era cheia de vivacidade. Essa vivacidade em sala de aula está em extinção no País onde o analfabetismo funcional cresce à medida em que a tecnologia avança. Não é possível construir conhecimento sem contato, sem troca de opiniões, sem instigar o debate e sem afeto. Porque as máquinas são úteis , mas só nos comunicam o que está na sua programação, sem aqueles pontos fora da curva que fazem toda a diferença entre "dar a receita" ou ensinar literatura.

No ensino digital de nosso estado, os professores do fundamental contam com uma plataforma chamada Leia Paraná na qual não constam autores paranaenses. Os alunos têm à disposição uma lista de livros onde consta até a biografia de Barack Obama, mas não há livros de Helena Kolody, Dalton Trevisan ou Domingos Pellegrini, o que parece uma desconstrução da cultura de nosso próprio estado.

Em São Paulo, caiu esta semana o número 2 da Secretaria de Educação, responsável pelos materiais didáticos nos quais encontraram erros como a afirmação de que a Lei da Abolição não foi assinada pela Princesa Isabel. Pior: "informam" que a cidade de São Paulo fica numa praia, resta saber que geografia é essa. Eu diria que é a da praia sem crítica que aperta botões com o automatismo da tecnologia, sem raciocínio e sem revisão.

Tenho um filho professor na escola pública de SP e dói saber que os alunos pedem para que ele volte a ensinar com lousa e giz porque não aguentam mais passar a aula com os olhos pregados nas telinhas. O olho no olho ainda é uma forma de ensinar que vai além do conteúdo das disciplinas porque requer calor humano, a mediação do conhecimento, e até dos afetos e conflitos.

Não sei qual o futuro da revolução tecnológica administrada como um castigo a professores e alunos. Só sei que o grito dos professores deveria ser ouvido com mais acuidade pela imprensa e mais atenção pela comunidade se quisermos preservar a humanização nas salas de aula. Isso não se fará com a automatização do ensino. A conexão entre professores e alunos é insubstituível, mesmo na era dos deslumbramentos com a tecnologia. É preciso medir e mediar essa febre para buscar o remédio sem castigos. O professor não pode ser apenas um reprodutor de ferramentas.