Imagem ilustrativa da imagem Autores incorporam livros
| Foto: Marco Jacobsen



Palestras de escritores acabam se transformando numa deliciosa contação de histórias. Na semana que passou, participei de bate-papos com Ignácio de Loyola Brandão e Ana Miranda, convidados do Festival Literário Londrix, que termina neste fim de semana.
Loyola Brandão tem um repertório na ponta da língua, histórias encadeadas que vão surpreendendo os espectadores porque são muito atraentes e porque o autor é performático, sentando-se e levantado-se nos momentos certos, gesticulando e interpretando o que conta de forma expressiva. Aos 80 anos, tendo estreado na literatura em 1965 com o livro de contos "Depois do Sol", ele é um marinheiro experiente quando se trata de tocar o barco da literatura numa conversa, como se estivesse no convés ou na sala de visitas com seus leitores.
Como um encantador de plateias, ele resgatou uma história da infância, contou como o avô era um exímio marceneiro que chegou a construir um carrossel, num tempo em que os mecanismos para fazer funcionar este tipo de brinquedo eram escassos. Os olhos dos cavalos eram bolinhas de gude e, no dia em que o carrossel pegou fogo, a única coisa que sobrou foram os olhinhos de vidro, que o avô resgatou das cinzas. Essa história desdobrou-se em outras que permearam toda sua infância.
O encantamento continuou com outro episódio da adolescência do autor que era um péssimo aluno de matemática mas, num exame final, diante de uma sala cheia de moças bonitas, não quis fazer feio e improvisou a resolução de uma equação sem ter o menor conhecimento da matéria. O professor, percebendo o quanto havia de imaginação na solução daquele problema, fez com o aluno um pacto não declarado e deixou que Loyola passasse de ano, dando-lhe a nota de que precisava. Professores sábios nunca forçarão alunos a aprenderem na marra matérias que não fazem o menor sentido para suas vidas, é o que penso sobre a "obrigatoriedade das disciplinas". O professor de Loyola já sabia que estava diante de um grande escritor, não de um matemático.
Ana Miranda também trouxe belas histórias na bagagem, ela que faz da literatura verdadeiras viagens no tempo - resgatando personagens literários históricos como Gregório de Matos Guerra ou Gonçalves Dias em suas obras - mostrou que cultiva uma relação mágica com a vida fazendo da anotação de sonhos um hábito que alimenta sua escrita. Também mostrou encantamento com culturas primitivas e florestas, seres mágicos de carne e osso como um índio de uma tribo do Acre, do qual tomou conhecimento através de uma amiga tão criativa quanto ela. Ana Miranda, além de escrever, desenha sua literatura, faz as capas de seus próprios livros. Exímia contadora de histórias, não só para adultos, mas também para crianças, revelou como se relaciona com os netos, como escreve para eles e, ao mesmo tempo, como na própria infância já inventava livros e até editoras fictícias.

O contato com pessoas que vivem da escrita nos deixa a impressão de que o "ofício mais solitário do mundo" - a literatura – enche as vidas dos autores de outras personas e personagens, na verdade, uma multidão. É como se o autor se desdobrasse em si mesmo – criando personas – que se relacionam com personagens acolhendo a ficção como uma extensão da vida. Uma ficção levada tão a sério que ninguém duvida que a fantasia e os sonhos ganham materialidade quando passam aos livros como circunstâncias "vividas" através de outra forma de percepção dos mundos. Emocionante o relato de Ana Miranda sobre um sonho em que lhe aparecia uma personagem que vivia em Paraty (RJ), uma moça cujo vestido de noiva foi roubado no dia do casamento. Observei como ela descreveu um detalhe que deu ao sonho uma configuração de realidade: a moça, de quem roubaram o vestido de noiva, monta um cavalo de lado, como faziam as mulheres dos séculos 17 ou 18, e sai atrás de quem teria roubado a sua roupa no dia casamento. Este detalhe não me deixa dúvidas de que Ana Miranda de fato trilhou o "caminho do ouro", cavalgando sonhos que, afinal, tomam forma em sua literatura, compartilhada com leitores e outros sonhadores. Fiquei pensando se a moça encontrou o vestido.