Imagem ilustrativa da imagem Família não se escolhe
| Foto: Divulgação



Após a polêmica passagem pelo Festival de Cannes, há seis meses, a Netflix lançou mundialmente no mês passado , via streaming, a comédia dramática "The Meyerowitz Stories (New and Selected)". Aos assinantes que eles elegeram somente séries e não bem lidar com a coisa cinematográfica, uma palavrinha de estímulo: garimpem muito bem a plataforma. Há tesouros novíssimos escondidos, que não devem aportar às salas de cinema. "Os Meyerowitz" com certeza é um deles.

Como uma espécie de Woody Allen dos anos 1970, o diretor nova-iorquino Noah Baumbach continua com sua saga de histórias familiares especialmente condimentadas com elementos de humor judeu e que remetem ao delírio das histórias de famílias disfuncionais naquela linha de "Os Excêntricos Tenembaum", de Wes Anderson. Protagonizado por Dustin Hoffman, Bem Stiller, Adam Snadler e Emma Thompson, o filme de Baumbach retrata uma problemática família judia de Nova York que se reúne em meio a difíceis circunstâncias – mas em vários momentos muito divertidas. O diretor é sem dúvida o herdeiro indie de Woody Allen, aquele hilário das décadas de 1970 de 80 . Ele recupera aquele espírito cômico e dramático, lúdico mas ao mesmo tempo sério, e fundamentalmente neurótico .

O argumento oferece um corrosivo olhar coral através da dinâmica de um grupo familiar integrado pelo patriarca Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman), um veterano escultor hoje septuagenário de pouco êxito, narcisista, egocêntrico e de quem quase ninguém se recorda (mas divertido, com certeza); sua quarta mulher, Maureen (alcoólica em rehab interpretada por Emma Thompson); seus dois filhos do primeiro casamento, Danny (Adam Sandler) e Jean (Elizabeth Marvel); seu terceiro filho, Matthew (Bem Stiller), bem sucedido executivo em LA; e a neta mais velha, Eliza (Grace Van Patten), filha do eternamente desempregado Danny.

Esta tragicomédia (talvez seja melhor chamá-la de dramédia) filmada em 16mm, quem diria !, carrega ainda uma dose apreciável de qualquer clássico da literatura judaica-norte-americana – há muito de Philip Roth, meu cronista judeu contemporâneo favorito.

Os personagens principais estão ótimos na pele de seus interpretes. Hoffman repete os tique de sempre, mas que são via de regra funcionais. Sandler, na melhor atuação de sua carreira, é o músico frustrado, vitimado por um pai que jamais prestou atenção em sua vida miserável. Outro conflituoso (e aqui quem não é ?) é o personagem de Stiller, ator também de muito bom repertorio e que está a partir de hoje na melhor estreia em Londrina, "O Estado das Coisas".

O filme se divide em episódios, cada um focando individualmente nos personagens. A partir de piadas e situações engraçadas, mas que tem na retaguarda um travo de amargura, o filme está centrado na difícil relação que os três filhos tiveram com o pai e entre eles mesmos (não se reencontravam havia muitos anos, e agora se juntam para uma homenagem ao patriarca), sobre seus complexos e traumas e danos irreparáveis de toda uma vida. "Os Meyerowitz" é uma espécie de catálogo de neuroses familiares que, certamente, poderia ser trasladado a qualquer outro lugar do mundo além de Nova York.

E é também um filme sobre a memória, vale dizer, aquela que realmente dói. E como as recordações e histórias das famílias que se contam uma e outras vezes podem ser falsas, intencionalmente ou não. A diferença é que aqui nada nada é guardado e vira fel corrosivo e sem saída: rancores e frustrações são regurgitados e explodem vez ou outra, numa demente (e engraçada) terapia de grupo