Ainda que possa parecer pomposo, é obrigatório iniciar esta crítica afirmando que a melhor versão de "A Bela e a Fera" não nasceu em solo norte-americano, mas na França, há 70 anos, país onde foi escrita (1740) a narrativa literária popularizada por Jean-Marie LePrince de Beaumont (1756). O filme que abriu a galeria de adaptações foi dirigido pelo genial multimídia Jean Cocteau em 1946, obra-prima que todos os fãs da história deveriam conhecer, mesmo correndo o risco de decepcionar-se diante de imagens de beleza poética crua e espírito desolador e comovente, segundo a visão lírica de Cocteau.

Mesmo mencionando o gênio do poeta francês, isto não significa que a nova versão Disney, por sua vez baseada no clássico animado de 1991, não seja um bom filme. Os remakes tem má fama, em parte merecidamente. Não é incomum que os estúdios simplesmente revisem seu catálogo de filmes em busca de um título que possa render a refilmagem, regidos por motivação comercial e sem interesse pela obra em si mesma. Mas para além das intenções, os remakes devem ser julgados pelos resultados, pelo que aparece na tela, se são ruins, ganham o esquecimento; se bons, ganham merecida fama. Há casos distintos entre si, exemplos repetidos e exceções.

"A Bela e a Fera" representa a melhor tradição de Hollywood, em versão moderna e audaciosa
"A Bela e a Fera" representa a melhor tradição de Hollywood, em versão moderna e audaciosa | Foto: Reprodução



Mas remakes de clássicos como "A Bela e a Fera" não são muito frequentes. Aqui o risco artístico foi acima de considerável, porque se trata de filme famoso, com largo prestígio e muito estimado. Se a animação de 1991 já vinha da adaptação do musical da Broadway que correu as principais capitais do mundo, o fato é que aquele filme também não era um roteiro original, o que deixava sempre uma porta aberta para novas versões.

O diretor que assina este novo longa, Bill Condon, não é autor particularmente original ou dono de uma grande identidade. Por isso a comparação entre a excelente versão de 25 anos atrás e este remake de agora – lembrando que se trata de musicais – é inevitável desde o início, ainda que qualquer comparação não diz absolutamente nada sobre os valores artísticos de um filme; é um jogo sobre as diferenças que podemos evitar fazer.

O prólogo da "A Bela..." de 2017 é longo, suntuoso, espetacular e...o menos apreciável, e pode-se temer pelo pior. Mas quando explode a primeira canção, euforia substitui frustração: o primeiro tema restabelece aquela estima do passado (não muito distante) e as coisas fluem com mais naturalidade, principalmente a mescla entre animação digital e atores de carne e osso, poucas vezes foi tão bem consolidada como neste caso. Outro acerto é a distribuição do elenco. Embora com limitações recém-saídas de uma Hermione Granger, heroína da saga Harry Potter, Emma Watson se dá bem como Bella, fazendo com acerto o tipo moderno, fresco e complexo na busca por independência e liberdade.

Falou-se muita bobagem sobre a incorporação de um personagem gay (caracterização do ator Josh Gad), Le Fou, como comparsa ambíguo do vilão Gastón (Luke Evans). Entretanto, sem nenhuma impertinência grotesca, eles compõem uma interessante dupla cômica que combina machismo e delicadeza. Gastón é melhor vilão que na versão animada, enquanto Le Fou, em tom ligeiro, seja mais intrigante e autônomo.

"A Bela e a Fera" é um conto de fadas universal, uma fábula que não demora a se tornar metáfora essencial – a beleza que se esconde atrás das aparências – mas que, como não podia ser de outra maneira, na versão hollywoodiana está recheada de música e humor. É e será sempre uma grande história de amor que pode (e deve) ser apelos tempos e pelos costumes.
Segundo suas próprias palavras, Condon imaginou o filme como um musical ao melhor estilo de Vincente Minnelli, um dos grandes mestres do gênero: cores exuberantes, cálidas e envolventes, espalhadas por câmeras em movimento incessante.

Mas Condon não se inspirou apenas em Minnelli. A tradição de coreografias e arabescos visuais de outro mestre, Busby Berkeley, animam a melhor sequência do filme: aquela em que os magníficos Lumière (Ewan McGregor), o candelabro, e Clogsworth (Ian MacKellen), o relógio, servem a ceia à Bella.

As virtudes do filme como musical e trama romântica, bem como os cuidados técnicos e artísticos, são contundentes. É a melhor tradição de Hollywood, em versão moderna e audaciosa.