Um jogo virtual desenvolvido por professores, alunos e servidores da UEL (Universidade Estadual de Londrina) propõe ajudar crianças com diabetes tipo 1 a reconhecerem a importância dos cuidados diários impostos pela doença. Chamado de Gamellito, em alusão ao nome científico da patologia, Diabetes Mellito Tipo 1, o jogo consiste em envolver o jogador em uma jornada de cuidados para garantir a boa saúde do personagem.

O protótipo conquistou o primeiro lugar na categoria Doenças Crônicas do prêmio internacional The Games4Health Challenge, da Universidade de Utah, nos Estados Unidos. De dez categorias de premiação, o game ainda faturou outras duas menções - primeiro lugar como melhor vídeo de divulgação e como projeto mais votado pelo público nas redes sociais. Ao todo, 86 universidades de diversos países participaram da competição. A iniciativa ganha relevância diante do diagnóstico de 85 mil novos casos de diabetes no mundo a cada ano.

Idealizado pela psicóloga e pesquisadora do Hospital Universitário (HU) Vânia Vargas, como parte do programa de doutorado do Instituto de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP), o Gamellito foi transportado para o ambiente digital pela equipe do professor Alan Salvany Felinto, do Departamento de Computação da UEL, que coordena o projeto de formação complementar na área de desenvolvimento de games em ambientes virtuais. A parceria envolveu também o curso de Design Gráfico, com a colaboração da professora Rosane Fonseca de Freitas Martins. A ideia dos envolvidos é que o jogo seja transformado em startup com apoio da incubadora de empresas de base tecnológica Intuel.

MUDANÇA DE ROTINA
A professora explicou que a ideia do jogo surgiu no atendimento de pacientes no ambulatório da UEL. "O diagnóstico de diabetes impõe uma mudança grande de rotina e que é imediata. De um dia para outro, a criança passa a ter restrição alimentar, precisa fazer exames diários e ainda receber injeções de insulina. Os pais acabam se transformando em enfermeiros", relata. Neste processo, a adesão ao tratamento – previsto para a vida toda – nem sempre é adequada. Outro desafio dos profissionais, segundo ela, é comunicar as recomendações sem um tom pessimista. "Essa é uma angústia de quem trabalha com esse público, porque as crianças não antecipam consequências", acrescenta.

Há alguns anos, para facilitar a comunicação com os pequenos pacientes, Vânia criou um jogo de tabuleiro que simulava a rotina de uma pessoa com diabetes e as atitudes esperadas para avançar nas casas do jogo. "O problema é que, neste formato, eram necessários vários jogadores. Pensei no ambiente digital porque é possível jogar sozinho e a linguagem é mais adequada às crianças contemporâneas", pontuou.

Com a adesão dos professores parceiros à ideia e o envolvimento dos alunos, o jogo virou um "game" digital. "Sozinha não teria sido possível realizar o projeto", avalia ela, que também contou com a consultoria de profissionais das áreas de medicina e nutrição para definir as situações simuladas pelo Gamellito.

A HISTÓRIA
O Gamellito é um pet virtual que mora em um planeta distante e que, num certo dia, passou a sentir muita sede e fome, cansaço e vontade constante de fazer xixi, que são os sintomas do diabetes. Sem encontrar ajuda no próprio planeta, ele manda uma mensagem para o espaço que acaba chegando à Terra, onde as crianças são convocadas a ajudarem o personagem a cuidarem da própria saúde. "No processo de ajudar o Gamellito, as crianças se identificam com ele e acabam aprendendo a cuidar delas mesmas", conta Vargas, lembrando que "brincar é ensaiar para a vida". "No jogo, há a possibilidade de ensaio e erro sem consequências reais para a saúde."

Além de interagir com o Gamellito, as crianças podem responder a um quiz durante o jogo. Com isso, médicos e profissionais da saúde que as acompanham poderão ter acesso ao que respondem e saber o que entendem e como lidam com a doença.

A próxima fase do estudo, que faz parte do projeto de doutorado de Vânia, é aplicar o Gamellito aos pacientes e avaliar a efetividade, observando se o jogo melhora o autocuidado, a aceitação da doença e outras questões emocionais e educativas. "Será um game com base a validação científica", adianta, lembrando que os testes serão feitos em caráter experimental com algumas crianças.


Testes são realizados com 25 crianças

Os olhos atentos e os dedos rápidos deslizando sobre a tela do celular já eram sinais de que a pequena Ana Lucia Barbosa de Lima, de 11 anos, gostou do que viu. Ela foi a primeira criança a testar o piloto do Gamellito, que neste contato inicial com seu público-alvo, também teve o acompanhamento dos alunos de design, computação e psicologia da UEL, que participaram de sua criação. Além dos professores Vânia Vargas e Alan Salvany Felinto.

Moradora do distrito de Lerroville (zona sul de Londrina), a menina aprovou o jogo, que apresenta interface lúdica e didática. "Achei o Gamelitto bem legal. Ele ajuda a controlar a diabetes e também me divertir. Ele tem várias coisas que eu tenho que fazer em casa, como cuidar da alimentação, dando doce quando a pressão está baixa e dando salgado quando está normal", contou.

Com diabetes desde os dois anos, ela acredita que o game vai ajudá-la a controlar mais a doença e enfrentar a aplicação da insulina, que acontece via intravenosa. "Ele vai me ajudar a controlar muito mais minha diabetes. Ele também toma insulina e como eu não gosto vai me dar mais coragem na hora que eu preciso levar agulhada", observou. "Espero voltar a jogar de novo em pouco tempo", aguarda.

Além de Ana Lucia, outras 24 crianças na faixa etária dos 6 a 12 anos farão testes no Gamelitto. Atualmente, mais de 120 possuem a doença e são atendidas pelo ambulatório da UEL. A escolha de parte delas foi a partir da proximidade com a instituição, como forma de facilitar o acompanhamento delas após o contato com o jogo. (Pedro Marconi/Reportagem Local)