Usuários dos Caps da região de Londrina se apresentaram no Teatro Padre José Zanelli
Usuários dos Caps da região de Londrina se apresentaram no Teatro Padre José Zanelli | Foto: Anderson Coelho



"Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual. Eu, do meu lado, aprendendo a ser louco, um maluco total, na loucura real". Os versos da música Maluco Beleza, de Raul Seixas, foram um dos que embalaram o 1º Encontro Cultural dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), da 17ª Regional de Saúde, realizado nesta quinta-feira (18), no Cine Teatro Padre José Zanelli, em Ibiporã (Região Metropolitana de Londrina). A canção foi usada como bandeira para defender os direitos das pessoas com transtornos mentais e mostrar suas potencialidades.

O evento marcou o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, também comemorado na quinta. Na tarde festiva, cerca de 400 pessoas, entre profissionais de saúde, pacientes e familiares, puderam ver apresentações de danças, músicas, poemas, teatros e piadas de usuários dos CAPS adulto e infantil dos municípios pertencentes a 17ª Regional, que no total são 21. A mostra está inserida nas propostas dos centros, centradas em acolher, reabilitar e auxiliar na autonomia dos pacientes.

Segundo Anna Lúcia de Azevedo, diretora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Ibiporã, o encontro foi uma forma de inclusão. "Nossa luta é para incluí-los na sociedade, para que possam ter um vida digna. Eles são pessoas iguais a nós e queremos que tenham uma qualidade de vida melhor", explicou. "É emocionante você ver isso e sair daquela forma de tratamento, em que as pessoas eram trancadas, e vir para essa via, que expande o que eles são capazes", completou Enrico Alencar Ignácio, coordenador de Saúde Mental de Rolândia.

A ideia do evento, que também contou com a participação nas apresentações de pais e profissionais de diversas áreas que trabalham nos Caps, surgiu no início de 2017 em um grupo de trabalho. A preparação durou cerca de três meses. "A partir da criação desse grupo fazemos várias discussões, tanto de trabalho, como da ideia desta mostra. Cada município fez os pacientes se envolverem. Já fazíamos outros eventos, mas sempre eram de capacitação", comparou Ignácio.

Responsável por cantar Maluco Beleza no palco do cineteatro, o estudante de Engenharia Elétrica, Alexandre Silva Abelha, falou sobre a emoção de se apresentar para um público tão grande. "Estava muito nervoso, quase não entrei no palco. Mas, no final deu tudo certo e foi bem interessante, pois reuniu muita gente talentosa", destacou ele, que mora em Bela Vista do Paraíso. Acompanhando o filho, Glaucio Abelha ficou emocionado. "Acho muito bacana oportunidades como essa, para eles se divertirem", disse.

CONTRA O PRECONCEITO
Do Caps de Londrina, Suzane Timoteo dos Reis viu no encontro uma oportunidade para vencer o preconceito. "É um jeito de mostrar para as pessoas que não somos loucos. Fazemos tratamento e acompanhamento para levar uma vida tranquila. Mostramos que mesmos doentes temos animação para nos apresentarmos", relatou. "Gostei de tudo. É vivendo que se aprende", resumiu Elian Gonçalves Dias, que junto com os colegas apresentou uma música do cantor americano Bruno Mars.

Empolgado com tudo o que viu e de poder compartilhar o dia junto dos colegas de Caps de outras cidades, Victor Gabriel da Veiga Ramos, de Cambé, gostou dos conhecimentos adquiridos de forma lúdica, principalmente nos teatros. "As apresentações foram muito divertidas e boas. Me ensinaram bastante sobre educação e respeito. Espero que tenha mais vezes".

A partir de agora, a ideia é que o encontro aconteça anualmente, como uma forma de marcar o Dia Nacional de Luta Antimanicomial e integrar todos que têm transtornos mentais e profissionais que trabalham nesta área. "É uma conquista muito grande para eles e para nós, que nos sentimos orgulhosos. Então, a proposta é que o encontro vá se aprimorando e ficando cada vez maior", projetou Enrico Alencar Ignácio.

DESDE 1987
O Dia da Luta Antimanicomial é comemorado em todo o País desde 1987, quando trabalhadores da saúde mental denunciaram abusos sofridos pelos usuários dentro de manicômios, iniciando assim a luta pelo fim desse tipo de tratamento e a busca de serviços alternativos. A criação dos Caps foi uma das principais formas para prestar um atendimento humanizado, garantindo qualidade de vida, além do tratamento. Outra vitória foi a Lei da Reforma Psiquiátrica, em 2001.

Os centro, que são divididos em cinco modelos, possuem equipe multiprofissional, que oferecem um espaço de apoio nos momentos de crise. "O Caps é um trajetória. A pessoa passa por ele e nós tentamos viabilizar outros lugares dentro da comunidade que vive para que possa dar continuidade do tratamento junto da sociedade", explicou Anna Lúcia.

Nos centros, os familiares também recebem apoio através de oficinas, para que consigam colaborar no desenvolvimento dos pacientes. "Muitas vezes a família não sabe lidar com o paciente. Daí a importância de oficinas para os familiares, para que eles saibam encarar as situações", afirmou Andrea.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, entre 2002 e 2015, houve uma redução de 51% na quantidade de leitos em hospitais psiquiátricos. Atualmente, ainda existem 163 no Brasil, distribuídos em 23 estados.