Camila Tereza Gutzlaff, juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude: "As pessoas não podem entregar bebês para terceiros, não podem registrar um bebê abandonado como se fosse seu"
Camila Tereza Gutzlaff, juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude: "As pessoas não podem entregar bebês para terceiros, não podem registrar um bebê abandonado como se fosse seu" | Foto: Ricardo Chicarelli



Apesar de ainda chocarem a sociedade, não são raros os casos de mães que abandonam bebês nos mais diversos locais, entregues à própria sorte. Recentemente, num período de apenas dez dias, três casos foram noticiados no Paraná: uma recém-nascida encontrada dentro de um saco plástico na rua, em Paranavaí (Noroeste); outro foi abandonado no banheiro da rodoviária de Rolândia (Região Metropolitana de Londrina); e, em Carlópolis (Norte Pioneiro), uma menina foi encontrada em uma lixeira. Além de cometerem crime de abandono, essas mães prejudicam essas crianças de diferentes formas. No projeto Entrega Legal, da Vara da Infância e Juventude de Londrina, a mulher que quer entregar o filho para adoção recebe todo o acompanhamento para fazer isso de forma segura e sem agir contra a lei.

"Entrega e abandono são coisas diferentes. A mãe que se preocupa em procurar a Justiça para garantir um ambiente familiar para a criança vai provocar no desenvolvimento psicológico dela reflexos bem diferentes daquela criança que foi simplesmente abandonada numa lixeira", compara a psicóloga do Núcleo de Apoio Especializado à Criança e ao Adolescente (NAE), Josani Campos, que integra a equipe do Entrega Legal.

A decisão de abrir mão de um filho pode ser influenciada por uma série de fatores, que vão desde o contexto econômico, familiar e afetivo até o envolvimento com drogas e situações de violência. "Geralmente, é um conjunto de fatores. Ninguém procura o projeto em situações simples", conta Josani. A psicóloga ressalta ainda que entregar um bebê para adoção é um direito garantido por lei. "Há casos em que a mãe tem amor pela criança, mas não tem condições de ficar com ela. E há casos em que a mãe não tem amor e não deseja aquela criança. A maternidade incondicional é um mito", explica.

O objetivo do Entrega Legal é garantir o direito da mulher de receber todo o atendimento psicossocial para fazer a entrega. O projeto é exclusivo para gestantes. "Nós fazemos um acompanhamento até o nascimento da criança. Damos todas as condições para que ela tenha certeza de que a entrega é de fato uma decisão e não uma ação desesperada. Dessa forma, ela toma essa decisão de forma empoderada e consciente", argumenta a psicóloga.

DESISTÊNCIA
Muitas vezes, depois de passar por esse atendimento, a decisão acaba sendo de ficar com a criança. Das 22 gestantes atendidas em um ano e oito meses do projeto, sete decidiram ficar com seus bebês. Dos demais casos, oito foram de fato entregues pelas mães, três foram encaminhados para adoção por destituição do poder familiar (mães que a Justiça julgou não serem capazes de ficar com as crianças), dois foram encaminhados para familiares dos genitores e dois tiveram destino ignorado pelo projeto porque as mães desistiram do acompanhamento.

Atualmente, seis gestantes estão em fase de acompanhamento com as psicólogas e assistentes sociais do Entrega Legal. Mães que manifestam o desejo de entregar a criança para adoção depois do nascimento não passam pelo acompanhamento do Entrega Legal, mas podem, da mesma forma, fazer essa entrega.

A juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude de Londrina, Camila Tereza Gutzlaff ressalta que essa é a única forma legal de entregar uma criança para adoção. "As pessoas não podem entregar bebês para terceiros, não podem registrar um bebê abandonado como se fosse seu. Quando a pessoa adota uma criança de forma ilegal, ela está sujeita a ter a busca e apreensão dessa criança, ou a mãe pode voltar atrás", alerta. Segundo ela, mesmo parentes, apesar de terem preferência na adoção da criança, precisam fazê-lo pelas vias legais.

REVISÃO
Reportagem publicada na FOLHA no dia 27 de março abordou a revisão nos procedimentos pra adoção no país, o que inclui a elaboração de um anteprojeto de lei que vai modificar a chamada Lei da Adoção. O principal objetivo do texto é agilizar e desburocratizar o processo de adoção no Brasil. A advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam)- e que participou ativamente da redação do anteprojeto de lei - informou que outra mudança proposta é que, em respeito à mulher que quer entregar o filho para adoção, não será mais necessário buscar familiares que porventura venham a assumir a guarda da criança. A medida visa evitar constrangimento à mulher e perda de tempo na busca por outra família. (Colaborou Carolina Avansini/Reportagem Local)

‘A criança vai crescendo sem poder ser adotada’
Tanto a criança que é abandonada quanto a que é entregue legalmente vai para adoção. A diferença é que, quando a mãe opta pela entrega, ela tem uma audiência com o juiz da Vara da Infância, em que ela renuncia ao poder familiar e a criança já pode ser adotada por uma família habilitada. Quando ela é abandonada, ocorre um prolongamento do tempo de institucionalização dessa criança porque não existe a desistência legal do poder familiar.

"Quando a criança é abandonada, é muito mais demorado o processo de destituição do poder familiar porque, por lei, é preciso tentar localizar a família. A criança vai crescendo sem poder ser adotada", explica a juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude de Londrina, Camila Tereza Gutzlaff.

Segundo ela, apesar de as pessoas habilitadas para adoção estarem mais abertas às crianças de até 8 ou 10 anos, a maioria ainda tem preferência por bebês, o que acaba reduzindo as chances de crianças abandonadas serem adotadas. Essas pessoas acabam ficando alguns anos à espera do filho. "Pessoas que entraram na fila em 2011, priorizando bebês, estão adotando agora", conta a juíza.

Essa longa espera tem contribuído para que as pessoas reduzam os critérios na escolha da criança. "A idade média aumentou para quatro anos, a maioria já não coloca cor como requisito. As pessoas estão mais conscientes, talvez em razão da espera, da mídia, do curso para habilitação, em que se tenta transmitir a eles que um filho vem da forma que ele é, não precisa ficar escolhendo", ponderou Camila. (J.G.)