Segundo a pesquisadora Noemia Ishikawa, os índios não aceitam dinheiro e solicitam que o cogumelo seja trocado por mercadorias
Segundo a pesquisadora Noemia Ishikawa, os índios não aceitam dinheiro e solicitam que o cogumelo seja trocado por mercadorias | Foto: Divulgação



A pesquisadora Noemia Kazue Ishikawa conta que, ao trabalhar no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia), passou a se dedicar à causa indígena. "Eles são os protetores da floresta, pois tudo o que precisam retiram dela", destaca. Um dado de 2007 indica que 139,5 crianças indígenas por ano morrem com menos de cinco anos por desnutrição ou ou outros problemas relacionados à falta de higiene, por exemplo. "Para fazer a roça eles não têm machado ou enxada e nem têm energia e isso deixa os pais desnutridos, contribuindo para esses números. Uma das metas da pesquisa é reverter essa mortalidade e dar saúde a eles", destaca.

Foi quando o antropólogo do (ISA) Instituto Socioambiental, Moreno Saraiva Martins, que por cinco anos fez levantamento de tudo que poderia reverter em renda para eles, constatou que os cogumelos poderiam resultar em uma fonte de renda. Ele realizou com os índios ianomâmi um levantamento de todos os cogumelos que os índios consumiam e eles procuraram Ishikawa para identificar cientificamente o que os índios identificavam da maneira deles.

"Mas sem a identificação da parte molecular, não dá para conversar com a ciência de hoje. O mundo não saberia do que eles estavam falando", ressaltou. Ao mesmo tempo ela ressalta que pela academia em 20 anos de pesquisa não se consegue ir ao mato e comer com segurança um cogumelo coletado lá, e por isso esse conhecimento ianomâmi é importante. "Como a gente já tinha a equipe de taxonomia, foi fácil fazer isso", relata.

Ela conta que outra dúvida que os índios tinham era sobre qual o motivo para os cogumelos comestíveis aparecerem mais na roça que eles cultivavam do que nas florestas. "Na época da publicação do livro eu não soube responder essa pergunta e pedi ajuda ao professor Keisuke Tokimoto, do Japão, que veio ao Brasil especialmente para esclarecer isso", conta. Foi constatado que ao derrubar a mata para fazer a roça de mandioca, os troncos ficavam no chão pela dificuldade de remoção. Como as mulheres que coletavam os cogumelos comestíveis carregavam eles em cestos e caminhavam sobre os troncos devido ao terreno arenoso, os esporos dos cogumelos eram espalhados justamente sobre os troncos da roça.

Em 2012 ela já estava estudando o Lentinula raphanica e na época ela já sabia que era comestível, mas não sabia que o ianomâmi comia. "Com esse livro foi divulgado que eles comem o raphanica. Mas se eu fosse lá, visse que eles comiam e por isso começasse a produzir seria um acesso ao conhecimento tradicional, mas foi ao contrário. Queria que isso ficasse bem claro. Eu estou nesse projeto a convite desses indígenas e isso faz toda a diferença", aponta.

Na época não existia o cultivo dele. "Constatei que conseguia desidratar e reidratar usando a metodologia que aprendi com o meu avô, mas o que me impedia é que esse cogumelo é muito barato. Produzir na Amazônia parece fácil, porque tem calor e umidade, mas o ambiente é bom para todos os outros fungos contaminantes. Ou seja, daria trabalho e o preço não me ajudaria. Nisso conheci em uma palestra o Felipe Schaedler, chef do Banzeiro, um restaurante renomado em Manaus. Ele não tinha ideia de que havia uma pesquisa sobre isso e quando conversei sobre o assunto com ele, ele disse que queria muito conhecer o meu trabalho e disse que o chef Alex Atala também estava interessado nisso. Então passei a cultivar, mesmo que fosse pouco. Analisei que fornecer para a alta gastronomia poderia garantir uma melhoria dos custos e ajudaria a divulgar mais o produto, garantindo renda aos índios", conta.

Os índios não aceitam dinheiro e solicitam que o cogumelo seja trocado por mercadorias. "Eles pedem enxadas, pás, machados. Mas eu me emocionei quando vi que um dos produtos mais solicitados eram o sabão e o sabonete. Com a melhoria da higiene, há a possibilidade de melhoria do índice de mortalidade infantil", conta.

Ela conta que a comenda é importante para divulgar essas lutas. "Os artigos científicos publicados contam para a gente, mas vi que a comenda foi bastante importante para a minha família. Dei a insígnia para o meu pai, que não pôde ir à cerimônia devido a um acidente. Mantive o documento para fins curriculares, mas o mais importante para mim é saber que a minha pesquisa está ajudando toda uma nação indígena", aponta.