Festival realizado em Londrina reuniu 19 internos da região
Festival realizado em Londrina reuniu 19 internos da região | Foto: Saulo Ohara



Mais do que aprender as técnicas de luta, a prática do caratê contribui para a formação do caráter do aluno, que aprende a respeitar limites, desenvolver a persistência e a tolerância e a ter mais disciplina, ensinamentos fundamentais para qualquer indivíduo, mas principalmente para aqueles que já estiveram em conflito com a lei e hoje estão privados da liberdade. Implantado há quase quatro anos nos Centros de Socioeducação do Estado do Paraná (Cense) e nas Casas de Semiliberdade, o Projeto Karatê no Cense foi proposto pela Associação Educacional de Desenvolvimento Humano e Social (Addes) ao governo estadual e nesse período já atendeu mais de 1,5 mil adolescentes. Nesta quarta-feira (25), 19 internos dos centros de socioeducação e unidades de semiliberdade da macro regional Londrina participaram do 3º Festival Regional de Karatê no Cense.
Um jovem de 19 anos está há quatro meses na Casa de Semiliberdade em Londrina após cumprir medida socioeducativa no Cense por um ano e um mês. Foi no regime fechado que ingressou no Projeto Karatê, no qual está há nove meses. "O caratê é muito interessante porque tem os lemas (que norteiam a prática) e é um esporte no qual você reflete bastante para não cometer mais atos infracionais", disse. Além do caratê, ele faz um curso de torneiro mecânico que termina em março, quando também acaba seu tempo na Casa de Semiliberdade. "Quando sair, pretendo continuar treinando e levar os ensinamentos para o resto da vida."
Orientador técnico-pedagógico da Addes, Jerimoto Gaspar dos Santos é professor do projeto na unidade do Cense em Campo Mourão (Centro-Oeste) e afirma que com a prática continuada do caratê, não só os adolescentes, mas toda a sociedade ganham. "Trabalhamos a formação do caráter, o respeito, eles desenvolvem a persistência e voltam melhor à sociedade."
É isso o que tenta um adolescente de 17 anos, que está no Cense II em Londrina desde abril de 2016, mas já passou pela unidade outras duas vezes e em uma delas, em 2015, começou a praticar caratê dentro do projeto. No esporte, ele já evoluiu e ostenta a faixa azul, a terceira no nível de graduação. "Eu gosto do caratê porque ajuda a passar o tempo aqui dentro e você aprende a pensar antes de fazer as coisas porque sabe que tem as consequências. Já tenho um objetivo para quando sair daqui, pretendo trabalhar, estou fazendo um curso profissionalizante de chapeiro", conta.

FILA DE ESPERA
A Addes desenvolve o Projeto Karatê no Cense por meio de um convênio firmado com o governo do Estado, que repassa cerca de R$ 800 mil ao ano para cobrir despesas como pagamento de instrutores e coordenadores, compra de uniformes, tatames, custeio da infraestrutura de coordenação, hospedagem, alimentação e transporte dos coordenadores e equipe técnica. Hoje, o projeto atende 540 adolescentes, entre meninos e meninas, de 16 centros de socioeducação e oito casas de semiliberdade em todas as regiões do Paraná. Em Londrina, o projeto atende 50 alunos, sendo 40 internos no Cense II e dez na Casa de Semiliberdade. O projeto não tem vagas para todos os internos e trabalha com fila de espera.
O projeto começou como piloto em 2013, inicialmente restrito a quatro centros de socioeducação. A maior dificuldade para conseguir implantar as aulas de caratê nessas unidades, segundo o coordenador da Addes, Guilherme Carollo, foi convencer as pessoas envolvidas no atendimento aos adolescentes infratores de que o projeto não iria apenas ensinar as técnicas de luta aos internos, mas sim priorizar a filosofia da arte marcial, baseada em valores da cultura japonesa, como respeito e não agressividade. "O que nos motivou foi poder ensinar os valores para os praticantes do caratê. Temos vários trabalhos com crianças carentes e percebemos que elas ficam mais tranquilas e começam a ter um propósito de vida. Por meio da prática do caratê, eles começam a criar outras perspectivas para a vida deles."
Carollo ressalta que as técnicas do caratê são muito refinadas e seu aprendizado é demorado, tempo que os adolescentes internos no Cense não têm. "Eles deixam a unidade antes de aprenderem todas as técnicas, por isso o nosso objetivo principal é passar a eles a filosofia porque quanto mais envolvidos eles estiverem com o esporte, mais eles vão entender que usar a força lá dentro, contra os educadores, ou lá fora não pode acontecer. E nesses anos todos nunca tivemos nenhum problema, só benefícios."
No festival realizado nesta quarta-feira, no Cense em Londrina, os participantes do projeto realizaram uma apresentação de movimentos do caratê e, embora os melhores resultados tenham sido premiados com troféus, o objetivo principal do evento foi celebrar o esporte e promover um encontro entre os adolescentes. "A gente observa um auxílio grande na capacidade de concentração, tolerância e disciplina e com os tempos vão conseguindo aprender outras formas de resolução de conflitos", destacou a pedagoga do Cense II, Glória Cristina de Souza Cardozo.