Espaço foi inaugurado em setembro de 2016 e conta com nove vagas, todas destinadas a pacientes do SUS
Espaço foi inaugurado em setembro de 2016 e conta com nove vagas, todas destinadas a pacientes do SUS | Foto: Fotos: Gina Mardones



Famílias e pacientes durante muito tempo ouviram de médicos e profissionais de saúde a frase "não há mais nada a fazer". A médica inglesa Cicely Saunders, fundadora do St. Christopher´s Hospice e criadora do conceito moderno de cuidados paliativos, sempre refutava essa frase e dizia: "Ainda há muito a fazer".

No quadro de avisos da sala de reuniões da unidade de internação de cuidados paliativos do Hospital do Câncer de Londrina (HCL), há uma foto dela acompanhada de uma de suas citações. Essa divisão, que funciona desde setembro de 2016, surgiu de um projeto elaborado pela equipe de cuidados paliativos do hospital e do sonho do presidente do conselho deliberativo do Hospital, Nelson Dequech, que na época conduzia a entidade.

Uma unidade hospitalar especializada em cuidados paliativos possui complexidade mediana, contudo está apta a dar respostas rápidas às necessidades mais complexas dos doentes terminais. Diferencia-se do hospital geral pelo espaço destinado a atividades diversas e convivência, inclusive para familiares, flexibilidade e atuação contínua de equipes multiprofissionais, além de programação distinta e de caráter holístico.

Marcos Lapa, médico: "São profissionais que precisam tentar promover ações que façam a diferença"
Marcos Lapa, médico: "São profissionais que precisam tentar promover ações que façam a diferença"



Em Londrina, quem coordena esse espaço é o médico geriatra Marcos Lapa. É o que ele chama de unidade terapêutica, que proporciona atenção direcionada ao paciente e à família. "O paciente não adoece sozinho, a família adoece junto. É uma forma de atender essas pessoas de uma forma um pouco mais privada, um pouco mais confortável, mais até do que o próprio hospital oferecia antes de existir essa unidade", explica. O local possui uma sala de estar bastante colorida e uma copa com mesa de jantar sempre com frutas disponíveis. Na cozinha foi instalada até uma churrasqueira, tudo para deixar o paciente e os seus acompanhantes o mais próximo de um ambiente residencial.

O médico explica que o espaço tem como característica o foco na qualidade de vida, conforto e manutenção da dignidade humana. "Nós temos nove vagas, com uma taxa de ocupação de 87%. Tem muita gente de fora de Londrina, oriundos de cidades que sem condições de dar esse suporte, e conseguem aqui", aponta, explicando que todos os pacientes são do Sistema Único de Saúde (SUS).

"O mais importante é o carinho, pois é um momento bem difícil", afirma Karen Colly
"O mais importante é o carinho, pois é um momento bem difícil", afirma Karen Colly



Para os pacientes que são de Londrina, o geriatra acredita que o ideal seria atendimento domiciliar. Porém, revela que desde a inauguração da unidade houve uma pausa para admissão de novos pacientes nessa modalidade. "A nossa meta fundamental para este ano é a ampliação do atendimento domiciliar", destaca.

Uma das atuais pacientes é a dona de casa Neusa Costa da Silva, de 62 anos, que há quatro anos realiza tratamento contra um câncer de ovário. "Gostei muito do atendimento, porque eles cuidam bem de mim. São bem carinhosos. Além disso, é bom estar com a minha filha. Me sinto em casa", declara.

A filha de Neusa, a cabeleireira Karen Cristina da Silva Colly, também destaca o atendimento. "O amor que eles têm por nós e o carinho deles trazem conforto para família", afirma, observando que o quarto em que sua mãe fica é muito confortável. "Além das camas com controles digitais, tem televisor e ar condicionado. Mas o mais importante é o carinho, pois é um momento bem difícil para o paciente e para a família", revela.

A reforma do espaço e a aquisição da aparelhagem utilizada na unidade de internação de cuidados paliativos foi viabilizada por causa de uma doação da empresária Elizabeth Lafranchi.

Primeiros serviços surgiram em 1990
A equipe da unidade de internação de cuidados paliativos do Hospital do Câncer de Londrina (HCL) é formada por quatro médicos, três enfermeiras, uma psicóloga, uma assistente social, uma fisioterapeuta e nove técnicos de Enfermagem, com o apoio da Nutrição e da Fonoaudiologia. "Nós temos residentes de clínica médica do Hospital Universitário e, em breve, teremos residentes de Medicina de Família, por meio da prefeitura", explica, informando que eles deverão contar também com profissionais das áreas de Farmácia e Enfermagem da UEL e também de alunos da PUC. Mesmo assim ele aponta que um dos maiores desafios é a estruturação da equipe multiprofissional. "Parte dos componentes não são exclusivos do serviço de cuidados paliativos. Se tivéssemos isso, facilitaria a abordagem", aponta.

O profissional que trabalha com cuidados paliativos tem que ter compaixão, carinho, amor ao próximo, um tanto de altruísmo e a vontade de lidar com pacientes e pessoas que estão muito sensibilizados pelo sofrimento que passam. "São profissionais que precisam tentar promover ações que façam a diferença, que possam trazer melhor qualidade de vida. A gente volta para a base da Medicina, que não é cuidar de doenças, mas ajudar as pessoas. Ajudá-las a ter uma vida melhor", destaca Lapa.

No Brasil, iniciativas isoladas e discussões a respeito dos cuidados paliativos são encontradas desde os anos 1970. Contudo, foi na década de 1990 que começaram a aparecer os primeiros serviços organizados, ainda que de forma experimental.

Segundo a Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA) – entidade formada pela aliança de 80 países, com apoio da Organização Mundial da Saúde - mais de 18 milhões de pessoas morrem com dor no mundo.

Embora não haja dados recortados para o Brasil especificamente neste quesito, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) relata que pessoas com doenças incuráveis não têm sintomas adequadamente tratados. Além disso, são subestimadas as necessidades sociais, psicológicas e espirituais dessas pessoas e de seus familiares.

De acordo com levantamento da OMS divulgado em 2014, os cuidados paliativos estão ao alcance de apenas uma em cada 10 pessoas. Atualmente, há apenas 20 países que possuem sistema adequado. O Brasil não faz parte desse grupo. (V.O.)