Um velho calção de banho/O dia pra vadiar/Um mar que não tem tamanho/E um arco-íris no ar...

Os primeiros versos da canção "Tarde em Itapuã", de Vinícius de Moraes e Toquinho, anunciam um convite ao ócio. Os verbos na voz passiva, a descrição da paisagem e dos sentimentos e a ideia de "passar uma tarde em Itapuã" são um verdadeiro "hino à preguiça", como define o psicólogo Aurélio Melo, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Defensor ferrenho da importância do ócio para a saúde física e mental, ele lamenta, entretanto, que o mundo contemporâneo não permita mais o desfrute dos "momentos de fazer nada". "As pessoas não se permitem o ócio, estão o tempo todo realizando tarefas. O sujeito contemporâneo é multitarefas, mas fica correndo sem sair do lugar como se estivesse em uma esteira de corrida", compara.

Sair de férias e continuar ligado no trabalho é uma das consequências deste comportamento. "A vida atual tem duas atividades centrais: trabalho e consumo, o que é terrível, pois as pessoas se tornam superficiais", diz. Crianças hiperativas em função do excesso de estímulos, adultos ansiosos que dormem pouco, acumulam muitas atividades e não conseguem "desligar", pessoas com dificuldade de prestar atenção são outros reflexos da falta de tempo para simplesmente relaxar. "A vida vai ficando cada vez mais rasa", critica.

Para quem vai sair de férias, Melo pede cuidado para não transformar lazer em trabalho. "Viajamos com a obrigação de ir a muitos lugares e fotografar tudo", diz ele, que reconhece, entretanto, que ficar sem fazer nada nem sempre é fácil. "Pelo contrário, exige treino", avisa o psicólogo, destacando que o primeiro passo é desfazer a ilusão de que estamos no controle da vida. "O sujeito contemporâneo acha que tudo depende dele mesmo, por isso a autoajuda faz sucesso. Mas nem tudo é questão de querer e saber fazer, individualmente não temos quase nenhuma força sobre nós mesmos, estamos em um contexto", analisa.

Quem consegue superar a cobrança eterna pela produtividade vai colher benefícios que, surpreendentemente, resultam em mais produtividade. "Um dos maiores benefícios do ócio é o descanso para ‘repor as energias’. Quem descansa fica mais atento e consegue desacelerar para pensar. O ócio é o contrário do esgotamento", compara.

Melo também pede que as pessoas voltem a se reunir para contemplar, mas que reaprendam a ficar em silêncio. "Na cidade grande falamos o tempo todo sem parar, como se fosse uma obrigação. Às vezes o abraço, o toque é mais necessário que a conversa, temos que voltar a valorizar apenas a companhia. Quem está bem consigo mesmo não precisa puxar papo no elevador", brinca.