Estava esperando o ônibus no terminal do Carmo. Já era tarde, perto das 11 da noite. Do lugar onde estava o via perfeitamente. Sentado no banco, abraçado a uma garrafa, provavelmente cheia de algo com alto índice alcoólico. Quando o outro chegou. Meio desconfiado, passou a analisar o ambiente e a acompanhar com cuidados os movimentos daquele homem. Um maltrapilho, cabelo desgrenhado. O outro sujo e magro. Os dois pareciam à procura de algo, meio perdidos.
  O homem que estava no banco tirou de uma bolsa que carregava um grande sanduíche e começou a comer. Pelo olhar que lhe dirigiu, aquele que estava próximo parecia faminto. Eu, que assistia a cena, quase podia ler seus pensamentos: ‘‘hum, que cheiro gostoso, que cara ótima...’’, pelo menos era essa a idéia que seu olhar transmitia, implorativo.
  O outro o observou. Comovido, cortou metade do seu sanduíche o estendeu ao recém-chegado, que comeu voraz e agradeceu com grandes abanadas de rabo e duas ameaças de lambidas. Alimentado, as orelhas em pé, ficou sentado, parecia até sorrir. O homem terminou a refeição e resolveu ir embora. Levantou e foi andando, dirigindo-se à saída do terminal. O animalzinho levantou-se e permaneceu à espera, olhando firme em direção ao seu benfeitor. O homem andou, quase chegando à saída, meio indeciso, virou-se. Fez aquele som de estalar de dedos característico de chamar cachorro. O bichinho não se fez de rogado. Pulando e latindo foi correndo ao encontro do homem. Eu, que observava de longe, não tive dúvidas, aquele pão dividido tinha sido o começo de uma bonita amizade.