''Aqui no baile só entram maiores de 50'', comenta Luisita Hostins, que além de controle moral é a coordenadora do Grupo da Terceira Idade da comunidade. ''Se for homem mais novo, eu pergunto se ele vai dançar com todas ou uma só, pois elas gostam se eles vêm. Agora, se é menina mais nova, só entra se tiver acompanhada, pois as senhoras morrem de ciúmes'', diz. ''Se eu deixar entrar, só dão bola para elas.''
Por razão parecida, Luisita evita deixar entrar com roupas ousadas, que acabam chamando à atenção e ganhando muitos parceiros no baile. ''Tem muitos idosos que se comportam como criança, sabe?'' Os casais dançam e trocam de parceiros com frequência, mas é difícil ver um beijo no salão.
''E, quando o pessoal começa a forçar a barra, eu digo: dá uma segurada nos beijinhos'', explica seus métodos Vicente Nunes dos Santos, segurança do baile há seis meses. Avalia o trabalho como tranquilo, mas no mês passado quase teve bronca quando uma senhora chegou e viu o esposo dançando com outra. ''Aqui vem bastante gente que é casado e conta para o companheiro que vai ao médico ou ao hospital visitar um amigo. Tudo para dar uma escapada.''
Ainda não são quatro da tarde e a rainha do baile, que recebeu a faixa em eleição popular em setembro, está um pouco cansada. ''Agora já não me lembro mais, mas já dancei com mais de dez'', conta a requisitada Maria da Conceição Domingues, 81 anos de fôlego. Ela dança na segunda, terça, quinta e sexta-feiras. Na quarta, tem encontro com o grupo de artesanato e, a cada quinze dias, também vai ao Santo Inácio aos domingos, no baile aberto para todas as idades. ''Eu danço a semana inteira'', diz a octagenária sem usar figura de linguagem.
Foi um incidente com a rai© nha que levou Luisita ao microfone desta vez. ''Pessoal, quando estiverem dançando, cuidado para não machucar ninguém. Cuidado ao dar um passo para trás'', suspira. ''Hoje aconteceu com a nossa velha Conceição. E saiu sangue'', suspira. ''Foi o salto de alguém que pegou na perna dela. Cuidado, somos todas da terceira idade. Vamos dançar com calma.'' Luisita, 56, veste roupa preta discreta e um cachecol cor-de-rosa. Parou de dançar há dois anos, quando faleceu Abelardo, seu marido.
Dança e oração
''Se não vierem rezar, não tem lanche hoje'', exclama a organizadora do salão. São poucos aqueles que permanecem. A maioria já está do lado de fora e nos fundos, fazendo fila para o lanche, que é servido depois da reza. ''Tem algum Antônio? Hoje é dia de Santo Antônio.'' Ela conta os Antônios presentes: um, dois, três, quatro. Com a insistência, a turma vem para a frente do salão. Juntos, todos cantam parabéns aos homônimos do santo e aos aniversariantes. Em semi-círculos, os presentes ficam lado a lado e começam com um Pai Nosso. Depois, de mãos dadas, rezam três Aves Maria em conjunto. Um Santo Anjo é o zeloso guardador do lanche, que vem na sequência.
''Levamos cinco horas para fazer e, em dez minutos, não tem mais nada'', comenta a cozinheira Marina Santa Fermin, que chega às 5 horas da manhã para preparar o lanche. São 35 quilos de farinha e um total de R$ 150 em ingredientes. Em pouquíssimo tempo, as bandejas realmente ficam absolutamente vazias.
A reza que acontece antes é uma relação direta com a igreja. Luisita explica que o baile está tendo dificuldades com a paróquia. ''Falo para o padre que sempre peço para o pessoal se comportar ao sair do baile. Ao menos até chegar ao ponto de ônibus. Para muita gente, tem sem-vergonhice aqui. Mas, como você pôde ver, é um ambiente familiar.'' O Padre Erno, responsável pela paróquia Nossa Senhora da Paz, foi contatado pela FOLHA, mas preferiu não comentar o caso.
Às 17h27, a banda encerra a última música. Antes das 17h30, já não há pessoas no salão. Luisa Rubineq, a senhora de 88 anos que aparece no começo desta história, é a mais idosa do baile. Ao final, ela conclui. ''Até cansei. Foi muito bom.'' Pergunto se teve parceiro para dançar. ''Parceiro? Ah, para mim sempre tem.'' (R.U.)