Porto Rico - Hoje, o doce e frenético eriçado das diminutas cristas de ondas da superfície do Rio Paraná, no extremo Noroeste do Estado, tranquilizam a alma. Porém, esse colossal gigante d'água já testemunhou batalhas de extrema violência no passado. Há poucos dias, um episódio histórico, que permaneceu submerso por 85 anos, foi trazido à tona com o resgate de duas embarcações que teriam sido afundadas na região de Porto Rico, durante conflitos entre tropas do Governo Federal e militares revoltados com os rumos políticos do País na década de 1920. No convés perfurado por tiros repousavam farta munição de fuzil, talheres, ferramentas para montagem de armas e até ossos humanos.
O mentor da difícil tarefa de remover os barcos do limbo em que se encontravam após quase 100 anos de esquecimento no leito de rio foi o empresário morador de Santa Isabel do Ivaí, Ismael Alves Esmanhoto. No início do ano, ele soube que um mergulhador da região de Porto Rico, na divisa do Paraná com São Paulo e Mato Grosso do Sul, havia localizado os dois barcos há cerca de cinco anos. Eles estariam próximos da barranca, mas a oito metros de profundidade, em um ponto um pouco acima do distrito de Porto São José, já se aproximando da foz do Rio Paranapanema.
Há um mês, Esmanhoto decidiu deflagrar o plano para resgatar as embarcações. Construiu uma grande carreta e a levou para a margem do Rio Paraná em Porto Rico. Contratou pouco mais de 10 ribeirinhos, entre barqueiros e ajudantes, e se lançou com o grupo rio acima. Consta que o trabalho teve de ser interrompido por várias vezes - o motor de uma lancha quebrou, um mergulhador passou mal, chuvas adiaram a missão -, o que teria gerado temor entre os aventureiros. Só depois de muita insistência as grandes peças em ferro maciço emergiram, foram levadas até a margem e viraram o centro das atenções de pesquisadores, da imprensa e da população em geral.
O vaqueiro Abel Marcelino da Silva, que reside com a esposa e dois filhos na margem sul-mato-grossense, deixou a lida diária com as 600 cabeças de gado para ajudar no resgate. Ficou orgulhoso quando viu aquelas estruturas voltarem à vida. ''Vivo há uns 11 anos aqui e nunca tinha visto falar disso. Foi uma coisa que mexeu com nossa rotina porque aqui a gente vive no balanço do rio, tateando aqui e ali'', diz, enquanto observa a ''criatura'' tirada das águas.
Entusiasmado com o sucesso da empreitada, Esmanhoto aponta que os barcos medem 16 metros e 18,5 metros e pesam mais de mil toneladas. O menor continua na margem do rio e o maior já seguiu para a oficina e tornou-se a atração principal de Santa Isabel do Ivaí. Pedro, o filho do empresário, se encarrega de matar a curiosidade dos visitantes. Mas a ideia de Esmanhoto é reformar as embarcações, devolvê-las ao rio e usá-las como atração de uma pousada-barco que ele vai ''tocar'' no Rio Paraná. Os objetos formarão um pequeno museu que irá decorar o restaurante. ''Minha intenção é proteger e divulgar parte dessa história que ainda resta'', afirma.
E a história a que ele se refere remonta aos anos 1920, especificamente ao período de conflitos entre tropas do Governo Federal - chamadas de legalistas -, e oficiais militares - com tenentes à frente (por isso tenentismo) - revoltados com o poder político sem limite dos coronéis ligados à cafeicultura.
Em 1924, o Rio Paraná, por sua localização estratégica, serviu de cenário para sangrentas batalhas entre as partes envolvidas: de um lado, os revoltosos pretendiam descer o rio para engrossar o movimento com mais homens e áreas de influência; de outro, os legalistas usavam toda a força oficial para abafar o movimento.