Ser cristão não é ser bonzinho
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
por Paulo Briguet
Há alguns dias falei aqui sobre os equívocos e males gerados pela citação incompleta de passagens literárias. O mesmo tipo de problema acontece com citações bíblicas. Uma das frases mais citadas e mais incompreendidas das Sagradas Escrituras é o trecho do Sermão da Montanha em que Jesus diz: "Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra". (Mt 5,39)
Ora, com base numa interpretação parcial dessa fala, muitos acabam por confundir cristianismo com passividade, moleza e covardia. Para entendê-la corretamente, precisamos lembrar que Jesus fazia uso frequente de uma linguagem paradoxal. O escritor Jack Miles explica-nos melhor o que o Filho do Homem quis dizer com essa frase estarrecedora: "Supondo um atacante destro, o golpe atingiria a face esquerda. Se ele, no entanto, atinge a direita, significa que é um tapa com as costas da mão, como o de um amo em seu escravo ou de um governante em seu súdito. Se a vítima volta a face esquerda para o atacante, ele coloca o rosto onde sua face direita havia estado quando a primeira bofetada a atingira. Ele desafia seu amo, seu governante, ou quem quer que o tenha insultado, a insultá-lo ainda mais, atingindo-o com um segundo tapa bem no nariz e na boca. Dessa forma, a vítima envergonha o agressor transformando insolência em consciência de si e, talvez, em arrependimento." (Grifos meus.)
Jesus orienta-nos, portanto, a desafiar a injustiça, expondo a sua natureza absurda. Não se trata de combater o mau, mas o mal. Não se trata de odiar o pecador, mas o pecado. Ser cristão não é ser bonzinho!
Em uma palestra proferida há 33 anos, o poeta russo Joseph Brodsky (1940-1996) relembrou um episódio de seu período como prisioneiro do regime comunista. Obrigado pelos guardas vermelhos a trabalhar como escravo cortando lenha, o jovem Brodsky passou doze horas seguidas nessa atividade, deixando a todos boquiabertos. Ele descreve a cena como se fosse uma terceira pessoa: "Tantos os guardas como os prisioneiros o observavam atentamente, e a expressão sardônica em seus rostos foi aos poucos sendo substituída primeiro pelo espanto, e depois pelo horror. Às sete e meia o homem parou, voltou cambaleando para sua cela e caiu adormecido. Durante o resto de sua estada naquela prisão, nunca mais se formulou um desafio de competição socialista entre guardas e prisioneiros, embora a lenha continuasse a se acumular em pilhas no pátio".
Hoje, no último dia de palestras do Ciclo José Monir Nasser, este cronista de sete leitores vai falar sobre essa e outras passagens do Sermão da Montanha, na visão de dois grandes homens da fé e da cultura (um deles ainda entre nós): Santo Agostinho e o papa emérito Bento XVI.
O amor é o maior desafio ao mal.
Palestras do Ciclo José Monir Nasser "A Felicidade dos Livros". Hoje (13 de dezembro), às 19h30, no Centro Paroquial São Vicente de Paulo (Av. Madre Leônia Milito, 545). Entrada franca e sorteio de livros. Mais informações pelo fone (43)9-9101-1880.