Imagem ilustrativa da imagem Ser cristão não é ser bonzinho
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Há alguns dias falei aqui sobre os equívocos e males gerados pela citação incompleta de passagens literárias. O mesmo tipo de problema acontece com citações bíblicas. Uma das frases mais citadas — e mais incompreendidas — das Sagradas Escrituras é o trecho do Sermão da Montanha em que Jesus diz: "Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra". (Mt 5,39)

Ora, com base numa interpretação parcial dessa fala, muitos acabam por confundir cristianismo com passividade, moleza e covardia. Para entendê-la corretamente, precisamos lembrar que Jesus fazia uso frequente de uma linguagem paradoxal. O escritor Jack Miles explica-nos melhor o que o Filho do Homem quis dizer com essa frase estarrecedora: "Supondo um atacante destro, o golpe atingiria a face esquerda. Se ele, no entanto, atinge a direita, significa que é um tapa com as costas da mão, como o de um amo em seu escravo ou de um governante em seu súdito. Se a vítima volta a face esquerda para o atacante, ele coloca o rosto onde sua face direita havia estado quando a primeira bofetada a atingira. Ele desafia seu amo, seu governante, ou quem quer que o tenha insultado, a insultá-lo ainda mais, atingindo-o com um segundo tapa bem no nariz e na boca. Dessa forma, a vítima envergonha o agressor transformando insolência em consciência de si e, talvez, em arrependimento." (Grifos meus.)

Jesus orienta-nos, portanto, a desafiar a injustiça, expondo a sua natureza absurda. Não se trata de combater o mau, mas o mal. Não se trata de odiar o pecador, mas o pecado. Ser cristão não é ser bonzinho!

Em uma palestra proferida há 33 anos, o poeta russo Joseph Brodsky (1940-1996) relembrou um episódio de seu período como prisioneiro do regime comunista. Obrigado pelos guardas vermelhos a trabalhar como escravo cortando lenha, o jovem Brodsky passou doze horas seguidas nessa atividade, deixando a todos boquiabertos. Ele descreve a cena como se fosse uma terceira pessoa: "Tantos os guardas como os prisioneiros o observavam atentamente, e a expressão sardônica em seus rostos foi aos poucos sendo substituída primeiro pelo espanto, e depois pelo horror. Às sete e meia o homem parou, voltou cambaleando para sua cela e caiu adormecido. Durante o resto de sua estada naquela prisão, nunca mais se formulou um desafio de competição socialista entre guardas e prisioneiros, embora a lenha continuasse a se acumular em pilhas no pátio".

Hoje, no último dia de palestras do Ciclo José Monir Nasser, este cronista de sete leitores vai falar sobre essa e outras passagens do Sermão da Montanha, na visão de dois grandes homens da fé e da cultura (um deles ainda entre nós): Santo Agostinho e o papa emérito Bento XVI.
O amor é o maior desafio ao mal.
— Palestras do Ciclo José Monir Nasser — "A Felicidade dos Livros". Hoje (13 de dezembro), às 19h30, no Centro Paroquial São Vicente de Paulo (Av. Madre Leônia Milito, 545). Entrada franca e sorteio de livros. Mais informações pelo fone (43)9-9101-1880.