Imagem ilustrativa da imagem O crime chinês
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Morreu na última semana, aos 61 anos, o escritor chinês Liu Xiaobo. Por sua luta em defesa da liberdade e da democracia na China, ele recebeu o Nobel da Paz de 2010. "Recebeu" é maneira de dizer; na verdade, Liu estava preso e foi impedido pelo governo comunista de viajar até Oslo para receber o prêmio. Na noite de entrega do Nobel, o dissidente chinês foi representado por uma cadeira vazia. Do cárcere, no entanto, ele fez saber ao mundo, por intermédio da esposa, que dedicava o Nobel da Paz às vítimas do massacre da Praça da Paz Celestial, ocorrido em junho de 1989. Essa ousadia de Liu Xia custou-lhe a prisão domiciliar.

Mas por que Liu estava preso? Qual foi o seu grande crime? Um só: pensar e escrever com o coração nas mãos. A palavra "coração", aqui, não deve ser tomada como sinônimo de emoções, mas no sentido tradicional bíblico, que o papa emérito Bento XVI define como "o centro da existência humana, uma confluência da razão, vontade, temperamento e sensibilidade, onde a pessoa encontra a sua unidade e orientação interior". Para o sistema totalitário, falar com a voz do coração é o mais hediondo dos crimes. O Partido Comunista Chinês jamais poderia lhe perdoar a façanha.

Os regimes comunistas têm uma obsessão especial em perseguir escritores que não aderem à "causa do partido". Com sua condenação, Liu passou a fazer parte do panteão onde habitam Boris Pasternak, Ossip Mandelstam, Anna Akhmatova, Alexander Soljenítsin, Joseph Brodsky, Nicolae Steinhardt, Heberto Padilla, Reinaldo Arenas e tantos outros. Esses homens e mulheres dedicaram suas vidas a escrever em nome da verdade — e a verdade costuma ser o exato oposto do "realismo socialista".

Liu Xiaobo foi condenado a 11 anos de prisão por ser um dos principais redatores e signatários da "Carta 08", documento que pedia reformas democráticas na China e analisava os desastres do comunismo no país desde 1949, quando o genocida Mao Tsé-tung chegou ao poder. O texto, inspirado na "Carta 77" de Vaclav Havel, é uma peça histórica. Diz um trecho da carta:

"Os cidadãos chineses estão cada vez mais e com maior clareza reconhecendo que a liberdade, igualdade e direitos humanos são valores universais comuns compartilhados por toda a humanidade, e que a democracia, a república e o constitucionalismo constituem o arcabouço estrutural básico da governança moderna. Uma ‘modernização’ ausente destes valores universais e deste arcabouço político é um processo desastroso que priva os homens de seus direitos, corrói a natureza humana e destrói a sua dignidade".

Muita gente diz que o comunismo acabou, é coisa do passado. Basta olhar a Venezuela para saber que isso não é verdade. Se as forças totalitárias vencerem a democracia no Brasil, o nosso destino talvez não seja virar uma Venezuela. Aí seremos uma nova China — mas sem educação.

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