Imagem ilustrativa da imagem O cineasta que virou mito


Não há melhor propaganda de um filme do que um manifesto de artistas e intelectuais contra ele. O cineasta pernambucano Josias Teófilo, diretor do documentário "O Jardim das Aflições", comprovou isso há alguns dias, depois que sete diretores decidiram retirar seus filmes da programação do 21º Cine PE. O boicote, seguido de manifesto contra a exibição de "O Jardim das Aflições", por ser supostamente um filme "direitista", "reacionário" e "conservador", fez o interesse pelo longa-metragem de Josias se multiplicar nos últimos dias. A estreia em São Paulo, no dia 31 de maio, já está com ingressos esgotados. E a curiosidade em torno do filme só aumenta.

O cerne do problema no protagonista de "O Jardim das Aflições": o filósofo e escritor Olavo de Carvalho, que acaba de completar 70 anos. O título do documentário é o mesmo de uma das principais obras de Olavo, referência no pensamento conservador brasileiro e certamente um dos melhores escritores vivos da língua portuguesa. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à Avenida Paraná, Josias Teófilo comenta a polêmica e o patrulhamento ideológico em torno de seu filme:

Avenida Paraná: Por que "O Jardim das Aflições" incomoda tanto?
Josias Teófilo: Incomoda porque, apesar de não ser político, ele é um furo na barragem do establishment. Se deixarem o furo leva a água inteira da barragem. Mas, em primeira mão, dou-lhe uma notícia, Paulo. Vou convidar todos os que assinaram o manifesto para assistir ao filme, sem custo algum.

Mas "O Jardim das Aflições" não é um filme político, Josias?
As pessoas vão se surpreender com o filme. Como disse Bruno Torres, que selecionou o filme para a mostra competitiva do Cine PE: "O Jardim das Aflições é um documentário de grande qualidade técnica e narrativa, e não é exatamente político e conservador’’. Claro que não é! Aliás, existe alguma obra de arte conservadora? Não existe! Existe alguma obra de arte progressista? Não existe! Isso é uma palhaçada. Eles querem usar critérios da política para a arte e esperam que funcione? Beethoven é doce ou salgado? Fazem arte engajada de esquerda e acham que eu vou fazer arte engajada da direita... Aprendi com Baltasar Gracián, em "A Arte da Prudência", a não agir nunca por oposição. Se uma coisa está totalmente errada, fazer o oposto dela não vai transformá-la numa coisa certa. Essa conversa de aplicar os conceitos de "conservador" e "progressista" na arte é a coisa mais idiota que alguém pode fazer. E o interessante é que nenhum dos diretores que retiraram seus filmes por causa de "O Jardim das Aflições" assistiu ao filme! Entre os 40 que assinaram o manifesto pelo boicote ao Cine PE, só quem viu o filme foi o crítico José Geraldo Couto, que participou da seleção do Festival de Brasília, em que o filme foi rejeitado. Mas cara é mais esquerdista que Lênin.

Como surgiu o interesse em fazer um filme sobre Olavo de Carvalho?
Desde que comecei a ler os textos do Olavo, vi que seria muito interessante fazer um filme sobre ele. Além de falar coisas muito importantes e necessárias, ele é muito fotogênico. Rilke dizia que para fazer um poema e preciso antes tentar não fazê-lo. Se você não conseguir, então faça. O mesmo vale para um filme. Sempre tento ao máximo evitar fazer uma obra; quando não consigo evitar, é que a obra merece seu destino. Foi isso que aconteceu. A junção de forças em torno de "O Jardim das Aflições" foi assustadora, memorável. Eu diria que foi quase uma providência divina. Outro fator importante foi a receptividade do Olavo e de sua família, a forma como eles nos receberam em sua casa na Virgínia. Ao mesmo tempo, houve uma junção de forças para que o filme não existisse. Foi a batalha das forças cósmicas contra as forças diabólicas.

De que maneira você se aproximou do Olavo e do conservadorismo?
Eu havia sido de esquerda, até entrar na universidade. Depois, vi quem de fato eram os esquerdistas e me decepcionei profundamente. Aquela gente fumando maconha, falando bobagem, defendendo aborto... Mesmo sendo de esquerda, sempre fui contra o aborto. Quando eu nasci, minha mãe tinha 19 anos e não tinha as menores condições materiais de me criar. Não entro em detalhes porque tenho horror a gente que fica se compadecendo de si mesma. Mas ela quis que eu nascesse. Portanto, sempre tive horror ao aborto: se houvesse alguém para ser abortado, o primeiro era eu! Quando eu descobri que essa gente era abortista, me afastei da esquerda. Mesmo que eu fique sozinho, perca o emprego e passe fome, eu não quero nada com vocês. No entanto, eu ainda trabalhava com esquerdistas, porque o meu interesse pelo cinema era maior. Mas eu sabia que, em algum momento, o conflito iria acontecer. Enquanto isso eu lia a obra do Olavo e criava em mim as forças mentais para enfrentar o statu quo. E a hora chegou com o filme sobre Olavo.

Quais foram as reações mais esdrúxulas ao filme?
Renato L, que era chamado "ministro das comunicações" do movimento Mangue Beat, certa vez comentou sobre Mao Tsé-tung: "Esse sabia como lidar com os artistas". E como ele sabia? Prendendo, torturando e matando. Assim ele matou 70 milhões de chineses. Pois esse fã de Mao afirmou que um filme sobre Olavo de Carvalho "só poderia ser uma comédia, e certamente vai ter trilha sonora do Lobão". Respondi que havia um engano: a trilha sonora do Lobão seria na queda da criminosa que ele ajudou a eleger e apoiou. De fato, quando a Dilma sofreu o impeachment, Lobão tocou o Hino Nacional na Avenida Paulista!

Mas também houve reações positivas.
Várias. Lúcio Aguiar, que trabalha com cinema e assistiu ao filme, disse: "Este é o primeiro documentário filosófico da história do cinema brasileiro". O impacto será muito grande, tenho certeza. O Olavo trata das questões em um nível de sutileza que dispensa absolutamente os conceitos de "direita" e "esquerda". A única polêmica ideológica que pode surgir é quando o Olavo fala de caça. Mas tem muito esquerdista que caça (Trotsky era caçador, por exemplo) e muito conservador que é vegetariano, feito eu! Eu acho que os esquerdistas vão ficar chocados quando descobrirem que não é um filme conservador. Olavo fala sobre a filosofia, a realidade, a morte. Ele fala das ideias que são tão importantes para nós a ponto de lembrarmos dela na hora da morte... As ideias do náufrago, como dizia Ortega y Gasset. Esse é o tema principal do filme.

Em que sentido "O Jardim das Aflições" é um filme autoral?
O que há de meu no filme é o sentido de fora para dentro, da luz para a noite. O filme faz o mesmo percurso das obras do Olavo. Os livros do Olavo nascem de temas externos e a partir deles levam a um aprofundamento do sujeito em si mesmo. Começa falando sobre política no sentido mais amplo, aristotélico (sem baixar para a política partidária, ideológica) e de repente chega a temas cada vez mais pessoais, até à morte.

Trata-se, então, de um documentário com enredo, que possui uma curva narrativa?
Desde o começo, eu queria fazer um documentário com cara de ficção. E ele tem um lado ficcional, porque eu fazia o Olavo reproduzir mil vezes a mesma cena. "Olavo, solta uma fumaça bem grande", "Olavo, troca de camisa"... Imagine que loucura, eu dirigindo o Olavo!

Afinal, quem é Olavo de Carvalho?
Olavo de Carvalho é um dos homens mais bondosos que conheço. Ele é a única pessoa do mundo que vai lhe dar um conselho absolutamente desinteressado. Um padre, por exemplo, pode estar querendo agregar você a uma igreja. Ele vai falar diretamente para o centro vivo da sua consciência. Ele tem décadas de experiência, conhece os arquétipos da vida, leu milhares de livros — romances, poesia, filosofia, cosmologia, teologia. Ele vai fazer algo por você sem querer nada de você. Isso é genial. Poucas pessoas no mundo têm condição de fazer o mesmo.

Talvez encontrar esse Olavo seja o que provoca temor nas pessoas.
Sim, talvez. Eu tive o cuidado de colocar o máximo de informações neste filme. Sacrifiquei até um pouco a forma em benefício do conteúdo. O filme pode parecer um pouco longo. Tudo que está lá pode ajudar alguém. O filme foi objeto de tanto ódio e amor; no meio do tiroteio, fiz exatamente o que queria fazer.

E você vai lançar o filme em Londrina?
Claro que sim. Não tem dúvida, Paulo. Vou lançar o filme em São Paulo no dia 31 de maio, depois vamos para outras cidades. Londrina está entre elas. Depois, vou voltar pra Virgínia. Não posso ficar aqui no Recife, não. Aqui tem muita gente querendo mal de mim. Quando eu ando nas ruas, tem gente querendo me matar com os olhos.

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"A ditadura militar inventou a 'censura prévia': o censor via o filme e o vetava antes da exibição pública. Os censores esquerdistas dão um passo além: proíbem o filme antes de que eles próprios o vejam."
(Olavo de Carvalho)