Imagem ilustrativa da imagem Meu novo amigo de infância
| Foto: Paulo Briguet



O meu novo amigo de infância tem 87 anos. Nasceu em Portugal, viveu na Austrália e no Timor Leste, encontrou-se no Brasil. Há três décadas mora no Norte do Paraná, terra de consolação e trabalho. No dia em que chegou ao Brasil, emocionou-se ao ouvir as palavras do funcionário da imigração: "Seja bem-vindo ao seu novo país".

O meu novo amigo de infância é médico cirurgião. Quando olho para suas mãos, sei que elas já salvaram muitas vidas em vários continentes. Calcula meu amigo que fez mais de 30 mil cirurgias ao longo da vida; na maioria absoluta dos casos, em pessoas que não tinham qualquer possibilidade de pagar tratamento. Fazer qualquer coisa 30 mil vezes já é uma proeza; imagine-se 30 mil cirurgias! É um modo milagroso de amor ao próximo.

O meu novo amigo de infância viu a morte de perto. Escapou por um triz de ser assassinado no Timor, em 1975, quando o governo revolucionário português abandonou a pequena província lusófona à própria sorte. Testemunhou massacres e traições, na maioria das vezes perpetrados por militantes do caos. É um inimigo declarado das ideologias perversas que tentam dominar o mundo.

O meu novo amigo de infância é meu confrade na Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina. Pouco depois de nos conhecermos, ele se tornou o mais fiel dos meus sete leitores. Frequentemente envia-me comentários belíssimos em que combina temas da atualidade com a sabedoria da alta cultura e da tradição cristã. Escreve à mão em folhas de papel almaço pautadas, daquelas que a gente usava na escola, no tempo de eu-menino. Sua letra miúda e perfeitamente legível, seu português castiço, suas frases envolventes me dão a certeza de estar diante de um mestre intelectual.

O meu novo amigo de infância é católico e devoto de Nossa Senhora de Fátima. Estudou profundamente as Sagradas Escrituras, a doutrina cristã, os ensinamentos dos Padres da Igreja, a história eclesiástica, as vidas dos santos, mártires e místicos. Mas não deixa de ter aquela fé simples e pura que Nossa Senhora encontrou nos três pastorzinhos portugueses.

O meu novo amigo de infância presenteia-me com livros. Tenho aqui uma prateleira repleta de obras que ele generosamente me enviou, e que estou a ler pouco a pouco. Explica-se: meu amigo vive, em um pequeno apartamento da cidade de Sertanópolis, cercado por milhares de livros, a maioria dos quais ele leu, compreendeu e guardou na alma.

Há alguns dias, visitei meu novo amigo de infância, acompanhado pelo caríssimo professor Miguel Contani, também confrade da Academia de Letras. Conversar com esses dois mestres é mais do que um prazer: é uma alegria, uma honra, uma aula-magna. De quebra, ainda pudemos apreciar um delicioso pato à portuguesa, preparado pela querida D. Josefina, secretária de meu amigo há mais de 30 anos, desde os tempos do hospital de Sertanópolis.

A vida do meu novo amigo de infância não cabe na crônica. Melhor seria escrever um livro para mostrar quem é ele. Encerro esta pequena homenagem com uma palavra que eu sei que ele ama:

— SHALOM, Dr. José Ruivo!