Imagem ilustrativa da imagem Manteiga pra baixo
| Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil



Bem que eu tinha pedido ao Moro para não prender o Mantega nesta quinta-feira, quando pretendia escrever uma crônica sobre as duas xícaras de estimação da Rosângela que quebrei de uma só vez, mas ele não me deu ouvidos. Essa é a dificuldade de ser colunista nos dias de hoje: você tenta mudar de assunto, mas vem a Lava Jato e põe tudo por água abaixo.

A Lei de Murphy diz que a probabilidade de um pão cair com a manteiga para baixo é diretamente proporcional ao valor do tapete. Quando o mesmo teorema é aplicado com a economia de um país inteiro, cedo ou tarde esse país terá que encarar os fatos. No caso do Brasil, os fatos equivalem à certeza de que fomos governados, durante um longuíssimo tempo, por uma organização criminosa que insiste em continuar participando da vida pública como se nada tivesse acontecido. Mantega é o espelho do que fomos nos últimos 13 anos. E o valor do tapete caiu mais que uma ação da Petrobras.

Mas eu sou um cara teimoso, quero falar das xícaras que quebrei. Confesso que na hora eu estava com um pouco de pressa, preparando-me para fazer uma entrevista para um livro que estou escrevendo. Peguei as duas xícaras — um presente de casamento — com a mesma sem-cerimônia de um sindicalista que fecha as portas de uma agência bancária. Porém — ah, porém… — escorreguei no chão da cozinha e as xícaras descreveram uma trajetória em slow motion, como nos filmes americanos, vindo a espatifar-se no piso em centenas de caquinhos brancos. O Pedro e o Cisco se assustaram — ou melhor, o cachorro se assustou, porque o Pedro até deu risada.

Quem não deu risada nenhuma foi a Rô. Tomei uma bronca daquelas, e com toda razão. Parte da braveza dela era devida ao fato de eu viver no mundo da lua, mas parte era causada pela certeza de que eu escreveria uma crônica sobre o assunto. Estou até achando que foi ela quem apressou o Moro para prender o Mantega, evitando assim que eu mencionasse o episódio. Como se vê, sem sucesso.

Faço piada, porque é da minha natureza, mas as duas xícaras quebradas representaram para mim uma advertência muito séria. A nossa vida é tão frágil quanto elas. Um minuto de desatenção e tudo pode se perder. Deus estava me avisando para ser mais atento com as pessoas que amo. Entendi o recado, Senhor.

O episódio das xícaras me fez lembrar um poema e uma cena de infância. Os versos são de W. H. Auden: "And the crack in the tea-cup opens / A lane to the land of the dead" (numa tradução amadorística: "A fenda na xícara de chá abre / o caminho para a terra dos mortos"). A recordação é de 1980, quando quebrei um vaso de cristal da minha mãe brincando de Batman no apartamento. Graças a Auden e Aracy, nunca me esquecerei daquelas duas xícaras, que foram fazer companhia ao vaso de cristal lá na terra dos objetos perdidos.

Olha só! Acabei falando sobre as xícaras e não sobre o Mantega (aliás, enquanto eu escrevia, ele acabou sendo solto por razões humanitárias). Desculpe, Rô. É o meu trabalho.
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