Imagem ilustrativa da imagem Irmã Morte, Irmã Vida
| Foto: Caiua Franco/Globo



A tragédia ocorrida com o ator Domingos Montagner faz o país inteiro pensar em um assunto que quase sempre é evitado: a morte. No belíssimo "Cântico das Criaturas", São Francisco, cujo nome batiza o rio em que o ator perdeu a vida, celebra a Irmã Morte, o Irmão Sol, a Irmã Lua, o Irmão Vento, a Irmã Terra, o Irmão Fogo e a Irmã Água.
Ao receber a triste notícia da morte de Montagner, lembrei-me do ator Jardel Filho, que morreu quando era protagonista da novela "Sol de Verão", em 1983. Embora a morte de Jardel tenha ocorrido em diferentes circunstâncias — ele sofreu um ataque cardíaco —, a comoção nacional foi semelhante. Noto que Jardel e Montager tinham quase a mesma idade: 55 e 54 anos.
Jardel Filho e Domingos Montagner eram bons atores e deixaram um legado. As pessoas vão se lembrar deles por muitos anos, e isso de certa forma é uma vitória sobre a morte. E você, já parou para pensar naquilo que deixará quando partir desta vida? De que maneira você será lembrado por seus filhos, seus amigos e seus inimigos?
Quando meu pai morreu, em dezembro de 2008, encontrei em sua mesa de cabeceira um envelope em que estava escrito: "Se alguma coisa acontecer comigo". Dentro do envelope, havia uma carta com instruções sobre tudo que deveríamos fazer para seguir vivendo. Penso nessa carta como a última crônica de meu pai. O seu "Cântico das Criaturas". Terei eu condições de, um dia, escrever algo tão comovedor? Acho que não. Mas sigo tentando.
No debate entre os candidatos a prefeito realizado pela Acil, o presidente Cláudio Tedeschi citou uma frase de Antoine de Lavoisier (1743-1794), o pai da química moderna: "Quanto mais corrupção, mais leis". Algo muito parecido com o que S. Paulo afirma na Carta aos Romanos.
Lavoisier foi um dos maiores gênios modernos. Ele deu explicação científica aos elementos celebrados por São Francisco no "Cântico das Criaturas". Para se ter uma ideia da grandeza de Lavoisier, basta saber que ele fundou a química orgânica; criou os termos oxigênio e hidrogênio; descobriu a composição da água, do ar e do gás carbônico; descobriu 32 elementos químicos; e ajudou a estabelecer o sistema métrico. Resumiu seu trabalho com uma frase antológica: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
Só que Lavoisier tinha um "defeito" imperdoável aos olhos dos revolucionários franceses: era um conservador político. Em 8 de maio de 1794, durante o regime do Terror, foi guilhotinado em praça pública. "A República não precisa de gênios", disse o juiz que o condenou. É bastante provável que Marat, revolucionário famoso mas cientista medíocre, tenha influenciado decisivamente na condenação de Lavoisier.
Ficam, então, esses três universos:
O de Lavoisier, onde nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
O de Marat, onde tudo se destrói, tudo se condena, nada se perdoa.
E o de São Francisco, onde tudo se recria, tudo se renova, tudo se ama.



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