Usain Bolt e Thiago Braz foram, respectivamente, mais rápido e mais alto, mas este pobre colunista, em sua pequenez, tem algo em comum com eles: um punhado de medalhas. Bolt correu tanto que quase foi para outra dimensão; Braz saltou tanto que quase foi para o céu; eu apenas lembro e reverencio aqueles que vieram antes de mim.
Estas medalhas... Não são de ouro, nem prata, nem bronze. Manchadas de terra e sangue, não pertencem a mim; delas sou apenas e tão-parcamente o depositário. Não fui eu quem as herdei, elas é que acabaram sobrando em minhas mãos.
Aqui está o diploma de Paulo. Deus sabe quanto sofrimento, quantas noites mal-dormidas, quantas humilhações e angústias meu pai teve de passar para fazer jus a este simples canudo da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Às vezes acordo no meio da madrugada — na verdade, é o que estou fazendo agora, escrevendo às 3h19 da manh㠗 e parece que ouvi o pensamento de alguém. É meu pai estudando, estudando, estudando. Só para provar àquele arrogante diretor de cursinho que conseguiria entrar na melhor faculdade do país. De vez em quando, Paulo cantava para nós, desafinado: "A moça disse pra outra/ Com esse eu não me arrisco/ A moça disse pra outra/ Com esse eu não me arrisco/ Pois ele estuda direito/ No Largo de São Francisco..."
Aqui estão o apito e a lixa do Vô Briguet. Muito ar passou por esse apito, enquanto minha bisavó, de quem não sei o nome, era injustamente xingada pela torcida. Francisco Oreste Briguet era árbitro da Federação Paulista de Futebol; só não podia apitar jogos do Sport Clube Corinthians Paulista, pois havia nascido no mesmo bairro (o Bom Retiro) e quase no mesmo dia do clube, em 1910. Quando se aposentou dos gramados, Seu Briguet assumiu as latarias: virou pintor de automóveis. Um dos seus principais instrumentos de ofício era esta lixa, com a qual, naturalmente, lixava os veículos após a pintura. Quando havia muitas contas a pagar, Vô Briguet dizia com resignação: "Lixa, Briguet!" É o que estou fazendo neste exato momento, vô.
Aqui está a foto de meu bisavô Antônio Costa. Português do interior, veio com a família para o Brasil em 1896. Tinha sete anos de idade. Foi deixado sozinho com um irmão três anos mais velho em Belém do Pará. Imagine você, meu caro leitor, a solidão deste menino, que depois pegou um Ita para o Rio de Janeiro, tornou-se cobrador e motorneiro de bonde, aprendeu a ler e escrever sozinho e, um dia, conseguiu emprego na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Deixado pela família, formou a sua: casou-se com Mãe Mulata e teve 11 filhos, um dos quais minha Vó Maria. Quando vejo dormentes de ferrovia, num depósito aqui perto de casa, penso que são os diplomas de meu bisavô.
Bolt correu nove segundos. Braz voou seis metros. Eu apenas viajo no tempo-espaço — para encontrar aqueles que são a vida de minha vida. O pódio pertence aos homens que hoje formam o meu nome: Paulo, Antônio, Briguet. Nem ouro, nem prata, nem bronze: sangue e terra e alma.

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