Imagem ilustrativa da imagem Horário de Deus
| Foto: Schtterstock



Hoje é dia de acordar mais cedo. Dia de acordar com sono, dia de almoçar sem fome e de brigar com o tempo. É a segunda-feira mais longa do ano, logo após o domingo mais curto.

Hoje é dia de acertar o relógio. Muitos, como eu, gostariam de acertá-lo de maneira literal, jogando um objeto nele. Mas é melhor não fazer isso. Não podendo pagar o conserto do relógio, ficamos com o seu desconcerto.

Eu gostaria de saber quem foi o gênio que inventou o horário de verão. Posso quase apostar que o cara não acordava cedo e tinha tempo de sobra para ficar tendo essas ideias.

Rolou um boato de que o Temeroso iria acabar com horário de verão. Se ele fizesse isso, eu me juntaria aos 3% de brasileiros que apoiam o presidento. Mas o Temeroso, como o próprio nome diz, não tem coragem para adotar semelhante medida. Mais um fora, Temer.

Hoje eu me sinto como Ivan Denisovich. Preso em um campo de concentração comunista, o personagem de Soljenítsin olha para o Sol a pino e tem certeza: é uma da tarde.

O horário de verão é uma mentira, no sentido original da palavra: algo criado pela mente. É da natureza da mentira sobrepor-se à realidade, subjugando-a por decreto. Justamente por isso o nosso organismo demora tantos dias para se adaptar ao novo horário. A realidade cobra os 60 minutos que lhe foram subtraídos pelo homem.

O horário de verão é a corrupção do tempo. No sentido aristotélico — como diz o professor Ricardo Vélez Rodriguez no livro que acabo de ganhar, e que comentarei aqui —, a corrupção ocorre quando alguma coisa perde a sua substância, a sua razão de ser. Até que o horário volte ao normal, daqui a alguns meses, eu continuarei lembrando que meio-dia é 11 horas, e que 11 horas são 10 horas, e que 10 horas são 9 horas, e que não estou acordando para rezar o terço na hora do Angelus, mas 60 minutos antes.

Se há alguma coisa boa no horário de verão, é que ele me faz lembrar o poema de Fernando Pessoa:

"Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da rua do Ouro,
Acordar do Rossio, às portas dos cafés,
Acordar e no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.
Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs no campo."

Mas, acima de tudo, o horário de verão me faz lembrar minha querida Tia Ruth, que morava em Mirandópolis. Ela simplesmente se recusava a atrasar o relógio da casa — um relógio centenário, que viu muita gente morrer e nascer — e continuava seguindo o, segundo ela dizia com orgulho, "horário de Deus".

A verdade é que todos vivemos no horário de Deus. E por onde andará o velho relógio de minha tia? Estou precisando dele.
Acordar da cidade de Londrina, mais cedo do que as outras...

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