No último dia 28, promovi em Londrina o encontro de dois intelectuais que muito admiro: Domingos Pellegrini e Flávio Gordon. Pellegrini, colunista da Folha de Londrina, é o maior escritor de nossa terra e autor do nosso épico: "Terra Vermelha". Gordon, antropólogo e analista político, acaba de lançar um livro que já nasceu antológico: "A Corrupção da Inteligência". Desse encontro de titãs, nasceu uma empatia e admiração mútuas. Reproduzo aqui a resenha que Pellegrini escreveu sobre o livro de Gordon:

OS INTELECTUAIS E O PODER:
A CORRUPÇÃO DA INTELIGÊNCIA


"Quando falei, na Bienal de Brasília 2014, que tivemos uma ditadura branda, que baita celeuma! Não disse que foi boa mas branda, porém a reação esquerdóide foi como de padres diante de sacrilégio. Apenas como pequeno exemplo, a ditadura argentina matou uns 30 mil, a nossa uns 300, portanto 400 vezes menos considerando população quatro vezes maior. A nossa teve partido de oposição que a engoliria nas urnas. Sua censura era avacalhada. Foi das mais brandas. Mas a esquerda precisa demonizar a direita para ter porque existir, e o diabo não se divide, tem de ser o diabo por inteiro, sem gradações. A ditadura tem de continuar totalmente terrível e má, mesmo tendo estrategicamente permitido também uma descontração cultural que muito empoderou a esquerda.

Mas apesar de, olhando com os próprios olhos, ter visto uma ditadura branda, eu não entendia porque; agora entendo, depois de ler A Corrupção da Inteligência, de Flávio Gordon. Ele une com rigor e precisão os pontos da teia do entendimento, baseando-se em fatos, centenas de evidências pinçadas do jornalismo na forma de videos e notícias, além de sites e blogs, todos com seu link no rodapé. E a teia histórica é iluminada por filosofia, dos clássicos a pensadores atuais, clareando as raízes dos fatos.

Virando a última página, senti estar diante de um clássico, como há duas décadas depois de ler O Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto, da londrinense Maria Lúcia Victor Barbosa, livro desvendador do sistema eleitoral, como o livro de Gordon desvenda o sistema político-cultural. Cheguei, então, a pensar se não estava me entusiasmando demais, mas depois muitos saudaram como clássico o livro de Maria Lúcia.

Levi Strauss começa seu clássico livro de viagens Tristes Trópicos com um divertimento, dizendo-se enojado de livros de viagens. Gordon começa se dizendo portador de 'pensamento de hábito errante' e termina o livro com versos de Dante, depois de ser também um magistral condutor, misto de historiador e pensador, câmera numa mão e lupa na outra, com visão na civilização e foco revelador nos detalhes. Nos leva a um intenso passeio por uma parte do Brasil que costumamos não olhar historicamente, a cultura, ao contrário da política e da economia, por isso logo adverte: "Os agentes da corrupção de que trata este livro não são políticos ou empresários, mas intelectuais. São, ao mesmo tempo, os corruptos, os corruptores e, paradoxalmente, suas primeiras vítimas."

A corrupção intelectual é desvendada das pré-escolas às universidades, nas comunicações e nas ciências, do vírus esquerdológico ao esquerdismo da Rede Globo (sim, pois, até por democracia, porque não deveria ela ter acolhido também a esquerda, em vez de ser apenas direitista como a esquerda apregoa?). Tecido assim de revelações e contradições, é um livro de ciências sociais que se lê como romance de muitos personagens, mortos e vivos, entre artistas e jornalistas, políticos e cientistas. Por cutucar feridas e lancetar podridões, certamente será atacado como foi o também desvendador Casa Grande & Senzala, dentre muitos outros clássicos antes e depois atacados porque desvendadores.

O subtítulo — Intelectuais e Poder no Brasil — já prenuncia tanto a necessária e reveladora visão do livro como os previsíveis ataques que sofrerá, embora isso só fortaleça os clássicos. Um livro indispensável para quem quiser continuar entendendo o Brasil e tendo esperança em mudanças."