Imagem ilustrativa da imagem Debaixo da figueira
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De pé no ônibus 305, rumo ao campus universitário, converso com meu amigo Natanael. Em visita a Londrina, ele manifestou o desejo de ir rezar na capela histórica da UEL, réplica da primeira igreja católica da cidade. Inicialmente Natanael disse que gostaria de assistir à missa na capela, mas eu expliquei que missas e cultos estão proibidos, uma vez que a universidade é laica. Natanael não entendeu o que significa a palavra "laica", mas eu desconversei e garanti que ao menos poderíamos rezar na capela; isso ninguém ainda proibiu.
Enquanto o 305 sobe a Faria Lima, Natanael me fala sobre seu encontro com Jesus. Naquele dia, Filipe veio chamá-lo com entusiasmo, dizendo: "Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei e que os profetas anunciaram: é Jesus de Nazaré, filho de José". Natanael ficou desconfiado. Ora, ele sabia perfeitamente que o Messias teria de vir de Belém. Retrucou: "Pode, porventura, vir coisa boa de Nazaré?" Filipe apenas disse: "Vem e vê".
Quando Jesus viu Natanael, sorriu para ele e elogiou: "Eis um verdadeiro israelita, no qual não há falsidade". Natanael se surpreendeu: "De onde me conheces?" Jesus então pronunciou a frase que selaria definitivamente o destino de meu amigo: ""Antes que Filipe te chamasse, eu te vi quando estavas debaixo da figueira".
O ônibus se aproxima do CCH e digo a Natanael que precisamos descer. No caminho, ele me explica por que a menção à figueira foi tão importante. Assim que Natanael chegou aos 13 anos, sua mãe lhe contou que o havia escondido, quando bebê, debaixo das folhas de uma figueira, para que ele não fosse morto pelos soldados de Herodes. "Eles mataram as crianças porque desejavam matar o Messias." Diante de um cartaz com o slogan "Meu corpo, minhas regras", meu amigo comenta: "Parece que Herodes ainda reina".
Avistamos a capela. Há movimento de pessoas ao redor, uma fila que se forma. "Será que hoje tem missa?", pergunta Natanael, esperançoso. Mas não é missa. Chegando ao local, somos informados que hoje será apresentado um espetáculo teatral cujo nome é "O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu". Lemos no programa da peça: "O espetáculo é um ritual queer em forma de monólogo, uma mistura de missa com contação de histórias. Mostra Jesus no tempo presente, na pele de uma mulher transgênero. Histórias bíblicas são recontadas em uma perspectiva contemporânea, que discute as interpretações vigentes no cristianismo que contribuem para a opressão e a intolerância na sociedade".
Eu e amigo desistimos de ir à capela e resolvemos fazer uma caminhada pelo campus. Então, de repente, encontramos... a figueira. Aos pés da velha árvore, sobre as folhas que um dia salvaram Natanael, rezamos.
Volto para casa em silêncio.

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