Imagem ilustrativa da imagem Caminhando com meu pai
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Hoje, 21 de dezembro, faz nove anos que meu pai morreu. Paulo partiu numa tarde de domingo, quatro dias antes do Natal que mais uma vez queríamos passar juntos. É natural que a saudade fique mais intensa a partir dos idos de dezembro, e se torne quase uma presença palpável durante as festas familiares.

Na véspera da morte de Paulo, Rosângela comprou-me um livro de presente: "No Tribunal de Meu Pai", do escritor judeu-polonês Isaac Bashevis Singer (1904-1991). Certa vez, Singer declarou: "Quando morre uma pessoa que é próxima de você, ela se distancia; com o passar do tempo, ela se torna mais próxima. Depois de muitos anos, chega um momento em que você está quase vivendo com ela. Foi o que aconteceu comigo. A Polônia está mais próxima de mim agora do que estava na época da minha juventude".

É exatamente assim que eu me sinto em relação aos meus amados pais, Paulo e Aracy. Vejo, com espanto, que falta apenas um ano para uma década sem meu pai. De manhã, quando o telefone toca, por um instante ainda penso que será ele a pessoa do outro lado da linha.

Meu pai era a pessoa mais educada que já conheci. Perto dele, sou um bárbaro. Sua principal qualidade como homem educado, a meu ver, era o dom de enxergar a unidade essencial das três irmãs da alta cultura, que sempre caminham lado a lado: a verdade, a bondade e a beleza. Por isso, Paulo não era um "homem do nosso tempo". Ele jamais aceitaria que o belo fosse mau e arrogante; que o bem fosse hipócrita e tirânico; que a verdade fosse estúpida e deprimente. Mas é tudo isso que infelizmente vemos sendo defendido por aí. Essa divisão entre a verdade, a bondade e a beleza é o abismo da nossa civilização. Precisamos resgatar a unidade perdida, sem confundi-la com uniformidade.

O amor pela cultura tenha sido a herança mais importante que meu pai me deixou. Só através da contemplação das coisas belas podemos sair da redoma em que a serpente quis nos confinar com a mais velha das mentiras: "Sereis como deuses".

Quando prestou vestibular para a Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, a prova de inglês era uma análise sobre o romance "On Human Bondage" (Servidão Humana), de W. Somerset Maugham. Creio que, a exemplo do protagonista do livro, o médico Philip, estamos hoje vivendo uma servidão, mas agora em escala global, enfrentando forças descomunais cujo principal alvo é a inocência humana. Em troca de um "mundo igualitário", repleto de "diversidade" e "prazer", os príncipes deste mundo querem nossa total subserviência. E o tal do mundo perfeito não vem nunca!

A saudade de meu pai se transformou numa presença amorosa: inspirado por ela, e na impossibilidade de erguer catedrais, tento construir a pequena e imperfeita obra de cada dia. É como se eu caminhasse ao seu lado nas ruas de São Paulo, ajudando a carregar seus livros. Paulo anda pela Avenida São João, silencioso como São José, mas o seu olhar através do tempo me diz muitas coisas...

Obrigado, pai.