Imagem ilustrativa da imagem A Divina Comédia de Londrina



A palavra "comédia", nos tempos antigos, não possuía o sentido que lhe atribuímos hoje. Comédia não era a história engraçada, mas a história que terminava bem, em oposição à tragédia, que terminava mal. Por isso, a obra-prima de Dante se chama "A Divina Comédia": começa no Inferno, passa pelo Purgatório e termina da melhor forma possível, com a visão de Deus no Paraíso.
Londrina é uma Divina Comédia em nossas vidas. Conheci a cidade há 30 anos, quando vim aqui prestar vestibular como "treineiro". Em 10 de dezembro de 1987, estava eu posto em sossego na casa de meus pais, quando sonhei com uma música muito bonita e desconhecida. Gosto de imaginar que a música era a "Sinfonia do Novo Mundo", de Dvórak, composta quando ele se mudou de sua Boêmia natal para a América do Norte.
Na época eu não sabia nem poderia saber – afinal, era um garoto bobo de 17 anos –, mas a música do sonho era Londrina que me chamava. Esse chamado vem dos tempos imemoriais, 150 milhões de anos antes de Cristo, quando o enorme continente da Pangeia se separou em cinco partes, provocando o derrame de lava vulcânica que deu origem ao latossolo, a nossa terra vermelha, a terra do café. Londrina é a ressurreição da Pangeia numa só cidade. Porque não foi só a este cronista de sete leitores que ela houve por bem chamar; com sua voz suave de cantora cabocla, Londrina buscou a cada de um nós, pés-vermelhos de coração e de certidão, para habitarmos seu lar acolhedor.
Hoje eu sei que sentia saudades de Londrina antes mesmo de conhecê-la. Hoje eu sei que ela estava lá, presente e silenciosa, em todos os momentos, tristes ou alegres. Não sei como já vivi sem ela, assim como não compreendo ter havido um tempo em que meu filho Pedro ainda não existia; em que não conhecera a Rosângela; em que meus amigos ainda não eram meus amigos; em que não lera Tolstói; em que não ouvira Bach; em que não vira nenhuma tela de Caravaggio; em que não conhecia o meu amigo e professor Olavo; em que não rezava o terço, nem ia à missa de domingo, nem comungava.
Londrina é a minha cidade eterna, onde vivem todos esses seres queridos, que reencontro a cada instante: meu pai, minha mãe, Vó Maria, Seu Briguet, Pai Costa, Mãe Mulata... Se ando pelas ruas, encantado com a beleza esfuziante do céu de verão, eis que saúdo velhos amigos, que nunca encontrei, mas dos quais sinto muita saudade: Rubem Braga (visitante nos anos 30), Lévi-Strauss (também testemunha da colonização), George, Alexander, Arthur, João, Willie, Alberto, Spartaco, Dom Geraldo, Madre Leônia, Prof. Zaqueu, Dr. Hosken, Dr. Clímaco, Milton, Mané, Remo e Romulo, David, Eugênio, Celso, Délio, Maria, Jamile, Estélio, Carlos, Paulinho, José! E ali, vejam só, à sombra generosa da mangueira, o padre de longas barbas brancas está reunido com as 12 irmãs heroínas que vieram da Alemanha... Elas rezam... Ele sorri para Deus.
Londrina, minha Divina Comédia, eis que Boécio soube definir o que sinto por você. Numa cela de prisão, há 1.500 anos, o sábio romano declarou: "Eternidade é a posse simultânea de todos os instantes". Você, Londrina, é o ensaio da eterna vida.
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