O ano era 1989. A campanha presidencial estava nas ruas. Por toda parte, viam-se os nomes dos principais candidatos: Collor, Lula, Brizola, Covas, Maluf, Afif, Freire, Ulysses, Marronzinho. Até o Silvio Santos tentou entrar na disputa. Nas prateleiras, os preços subiam todos os dias; sob o comando do inacreditável Sarney, estávamos em plena hiperinflação, quando todos são milionários e mendigos ao mesmo tempo. O salário do trabalhador era como um cubo de gelo ao sol do meio-dia. Na Rússia, sopravam os ventos da glasnost (abertura política) e da perestroika (abertura econômica), ambas patrocinadas pelo sorridente camarada Gorbachev. Gorbachev era como um tiozão simpático; só a estranha mancha vermelha na cabeça destoava um pouco na imagem do líder soviético. Bush pai estava na Casa Branca. Dois anos antes, Ronald Reagan havia desafiado seu rival russo em Berlim: "Sr. Gorbachev, derrube este muro!"

No campus universitário, o que mais se via eram estudantes com a estrelinha do Lula-Lá. Numa sala de aula, o professor José ensinava marxismo ou, como ele preferia dizer, socialismo científico. Seu curso era inteiramente baseado na Sagrada Família — Marx, Engels, Lênin — e nos apóstolos mais destacados como Gramsci, Lukács, Rosa Luxemburg e Florestan Fernandes. De vez em quando, José citava autores liberais ou positivistas, mas sempre com uma dose cavalar de desprezo. Diante do cânone marxista, Comte ou Adam Smith eram como o sparring diante de um campeão mundial de boxe. E ai do aluno que questionasse as verdades sagradas do materialismo dialético! Seria nocauteado.

Acontece que, enquanto o professor José aplicava rigorosas avaliações científicas nos seus alunos, o socialismo científico estava naufragando. Os ditadores do Leste Europeu não conseguiam mais conter a insatisfação popular e as gritas por democracia. Na China, explodiu a revolta dos estudantes, que culminaria no Massacre da Praça da Paz Celestial.

Imagem ilustrativa da imagem 1989 foi um ano difícil
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No dia em que chegaram as primeiras notícias do massacre chinês, o professor José entrou na sala visivelmente perturbado. "Não era necessário fazer isso!", disse, com voz trêmula. "O governo poderia ter dispersado os manifestantes com jatos d’água, não precisava ter usado balas!" Pela primeira vez na história, a repressão comunista estava sendo documentada com câmeras de TV. Não dava mais para dizer que o massacre era invenção da "imprensa burguesa".

Quase no fim do ano, caiu o Muro de Berlim. Tudo que o professor José ensinara durante seus cursos estava desmoronando. Aquelas cenas do povo em festa na Alemanha causaram profunda angústia ao mestre. Mal sabia ele que, no ano seguinte, suas esperanças seriam renovadas: um famoso líder operário e um velho ditador comunista fundariam uma entidade para resgatar, na América Latina, o sonho socialista perdido no Leste Europeu.

Até hoje a luta continua. E a sala de aula ainda é o ringue.