Mobilização histórica de trabalhadores em 1917 em São Petersburgo, na Rússia
Mobilização histórica de trabalhadores em 1917 em São Petersburgo, na Rússia | Foto: Shutterstock



Alguns anos atrás, numa reunião no britânico Lloyds Bank, o presente boliviano Evo Morales ouviu discursos contundentes de executivos da instituição sobre a economia de seu país. Cada um daqueles jovens burocratas parecia saber exatamente o que a nação sul-americana precisava fazer para caminhar de modo seguro até o melhor dos desenvolvimentos. Lá pelas tantas, meio impaciente, Evo Morales pediu que os burocratas apontassem no mapa onde ficava a Bolívia: a maioria errou.

Sobram no mundo contemporâneo especialistas em generalidades. Faltam sujeitos dispostos a conhecer a fundo aquilo que julgam poder alterar e melhorar. Parece haver um certo culto à desnecessidade da leitura, do envolvimento prático, da formação responsável. Em toda parte, multiplicam-se opiniões esvaziadas e até criminosas sobre temas delicados e exigentes, como, por exemplo, educação, saúde, segurança pública, economia etc.

Um dos sintomas mais agudos dessa expansão de generalistas e desengajados se efetiva na esfera da política institucional, em que carreiristas de gabinete, alheios às realidades sobre as quais costumam dedilhar, decidem cursos e destinos de milhões de cidadãos. É comum que propostas de reformas nos campos da educação e da saúde nunca passem pelas pessoas diretamente envolvidas, ou seja, professores e alunos, profissionais de saúde e pacientes. Burocratas e executivos que não costumam admitir seus erros – e, via de regra, têm por hábito tomar as piores decisões possíveis – controlam passado, presente e futuro de enormes contingentes humanos, na paz e na guerra.

Uma democracia plena, contudo, requer soberania popular e ampla participação política. Decisões que não passem pelo crivo da população podem ser tudo, menos democráticas. Não são sequer republicanas, no sentido etimológico da expressão. É nesse aspecto nevrálgico do mundo moderno que estão as mais danosas fissuras da desigualdade social. Onde não há uma substantiva igualdade de condições entre indivíduos e grupos sociais, prevalecem a arbitrariedade de poucos, o discurso "competente" de alguns e a situação de marginalidade ou precariedade de muitos.

Em suas "Memórias de um intelectual comunista", o saudoso filósofo Leandro Konder afirmava estar convencido de que a liberdade para todos dependia de certa paridade nas condições sociais, econômicas e culturais asseguradas às pessoas. Se persistissem privilégios de concentração de renda e poder, a liberdade estaria degradada. Assim, destacava Konder, mais democracia depende de mais participação política, bem como o combate à exclusão deveria estar associado ao aumento dos excluídos nos processos decisórios e de enfrentamento das inúmeras formas de opressão.

Num País em que meia dúzia de biliardários é mais rica e poderosa do que 100 milhões de cidadãos e os 5% que estão no topo da hierarquia social têm mais dinheiro e prestígio do que os demais 95% da população, o olimpo democrático está muito distante. Nada, contudo, garante que, no final das contas, seja impossível mudar tudo isso. O futuro continuará dependendo daqueles que insistem em sonhar e lutar, por mais difíceis e desanimadores que sejam os cenários atuais.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – [email protected]