Faz duas semanas temos publicados em série o conto "A coisa no bosque". Se você perdeu os primeiros capítulos leia aqui a primeira parte e aqui a segunda parte.

Hoje publicamos a 3ª e última parte. Sem delongas!

Abraços,

Patrícia Maria.


A COISA NO BOSQUE - PARTE 3



"Corri tão desesperada que não me lembro de muita coisa, só lembro de um taxista ter dito mais tarde que ouviu os gritos e correu até o Bosque, me encontrando na saída, aos gritos, arrancando os cabelos, deixando livros e bolsa para trás. Disse que o grito atraiu outras pessoas e que logo um pequeno grupo começou a se formar em volta de mim, tentando me acalmar. Não me lembro de nada disso, só soube depois, quando minha mãe me contou como cheguei em casa, entregue pelo taxista, um senhor simpático, de nome Nicanor, que não quis receber pela ajuda ou pela corrida. Minha mãe conta também que eu parecia em transe, balbuciando essa frase lúgubre, que ela fez questão de anotar para me mostrar. Quando li, entendi que era o mesmo trecho da frase sussurrada pela criatura diabólica na espiral, e o momento de horror retornou nitidamente em minha memória.

Imagem ilustrativa da imagem O fim de um mistério
| Foto: Ilustração Vanessa Amy



Depois disso, querido leitores, nunca mais botei o pé fora de casa. Tenho medo de sair, tenho medo de olhar pela janela, tenho medo de apagar as luzes em casa, medo de abrir a porta, de ir na cozinha à noite. O medo me dominou, está encravado em minha alma, não posso mais me livrar dele. Simplesmente não consigo. Não sei de onde tirei forças para fazer este relato aqui no blog, que há tempos não atualizo. Como mal, durmo mal, em determinadas horas do dia, como o entardecer, sou vítima de uma forte falta de ar, seguida de tremedeiras e, por vezes, sou encontrada por alguém encolhida num canto de algum cômodo da casa, sem saber como cheguei ali, com uma faca de cozinha encostada ao peito e murmurando a terrível frase.

"Por um imenso favor, peço novamente aos meus leitores que não me julguem. Evitem o Bosque, evitem as ruas escuras à noite! Não sei quem era o estranho, nem que criatura era aquela refletida na espiral. Não sou mais capaz de distinguir o que é real ou não. Não sei mais o que faço, já tentei de tudo, todo tipo de tratamento, mas estou condenada. Estou entregue ao sabor do sofrimento. Não quero que este relato seja um adeus aos meus seguidores. Tenho mesmo a fagulha de esperança de um dia voltar a produzir conteúdo para vocês. Obrigada. Adeus, por enquanto."

***



Eis o fim do relato de Fabrícia Fabianah, que também pode ser encontrado em seu blog pessoal. Ela é famosa, vocês saberão onde procurar, não vejo necessidade aqui de expor mais ainda sua figura a comentários execráveis e despretensiosos.

Esta jovem me procurou por telefone para que publicasse sua história em minha página de notícias e me convidou a visitá-la com o intuito de que eu visse seu "real estado de decadência". Após postar aqui todo conteúdo, e após expor a situação a alguns amigos estudiosos, muitos foram taxativos nas respostas que recebi. Diziam que ela precisava de tratamento, que tinha problemas mentais, alguns até chegando a dizer que Fabrícia precisava era "caçar o que fazer de útil na vida". Oras, se posso dizer algo a respeito é que o relato não é livre de interpretações ambíguas, de forma alguma, mas alguns fatos parecem irrefutáveis. No dia em que estive lá, falei com seus pais e constatei que ela realmente sofreu um trauma recente. O pai esteve no bosque na manhã seguinte, tentando encontrar alguma pista do ocorrido, mas sem sucesso. É sim um assunto facilmente classificado como fantástico ou incrível ou fruto de uma mente perturbada. Houve gente, inclusive, que em seu blog a agrediu verbalmente, muitos diziam que se tratava de puro delírio, ou ainda que ela havia consumido drogas no interior do Bosque. Disso a pior, mas não vem a caso.

Quando terminei de falar com seus pais e fui vê-la em seu quarto, ela teve um de seus acessos e me agarrou pela gola da camisa enquanto murmurava a bizarra frase "Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn". Sua mãe precisou arrancar suas mãos de cima de mim à força. Minha opinião pessoal: independente do que há de xingamentos e opiniões em seu blog de moda, tudo que encontrei quando tive contato com ela, antes da publicação, foi uma moça atormentada por algo, assustada demais para confiar sair de casa, aterrorizada demais para falar. Havia um medo antigo e poderoso em seus olhos. Não sei como achou forças para escrever. Rogo aos céus para que ela fique bem.

Receio que a figura anônima que recitava palavras desconhecidas diante do arbusto continuará no anonimato, mais ainda se for uma figura ligada à vida religiosa da catedral. Quanto ao Bosque, me parece que ele se encaixa de alguma forma, ou se encaixou naquele determinado momento, numa das categorias que citei antecedendo o relato. Um local de onde emana algo desconhecido, antigo, de aspecto maligno talvez. É como se ali a fina camada que separa a realidade do irreal, o pensável do impensável, tivesse se rompido por um curto espaço de tempo, não sei porque razão e devido a que espécie de força obscura.
Julgo que jamais venhamos a saber.

LUCIANO SILVA é escritor em Londrina


PS: Você já teve a ideia de escrever um conto? Já pensou numa história e nunca teve coragem de escrever ou já escreveu e nunca mostrou para ninguém, já escreveu, mostrou para alguém que disse que era muito bom. Mostre seu talento para o mundo!! Envie suas crônicas e contos para [email protected]