E, então preparados para nossa nova aventura? Eu confesso que eu ainda estou temendo o Carniceiro Malaquias, que agora olho com desconfiança para a borra de café na xícara e ainda espero notícias do nosso (milionário) vendedor de laranjas. .

Mas vamos lá!

A nossa primeira publicação não pode ser considerada realismo fantástico. Elas tinham uma nuance de observação, percepção e devaneio. Mas, apesar de a história da avó Celeste nos levar até a porta do realismo mágico, não ousamos muito. Hoje, seguimos dois passos a frente da linha tênue entre o real e o irreal.

Para quem não tem familiaridade com o termo, o realismo mágico é uma escola literária na qual seus autores naturalizam o irreal. Com todo o respeito ao 'Cem anos de solidão', do maravilhoso Gabriel García Márquez, vamos tentar um exemplo moderno, seria igual ao Pokemón Go, você muda a ótica e lá está, do outro lado da rua, um Squirtle para você capturar e treinar para a batalha.

Abusei, eu sei. Abraços

Patrícia Maria


UM CORPO NO CHÃO


Se me perguntassem o que me marcou naquele Carnaval, seria esta a resposta: a carne no chão, sem festa, sem vida. Assim foi meu domingo.

O dia em que se podia ver o mar e o céu dançando marchinhas no horizonte. Enquanto o Sol brilhava forte para aquecer a vida, os pássaros cantavam sonetos pelo amor de Bentinho e Capitu que vinham comigo, agarrados ao meu braço esquerdo, debruçados sobre meu coração. Defrontei-me, então, com um coração que parara de bater.

Formou-se ali, naquela esquina sem nome, rapidamente uma pequena multidão. Lembro-me bem de ver, sob uma luz branca que mais parecia uma neblina que se formava e desvanecia lentamente, dois anjos. O que aparentava ser mais velho aconselhava o outro, que parecia vir à terra pela primeira vez com a responsabilidade de conduzir a alma do pobre falecido aos céus. Dei ouvidos ao que falavam afim de saber sobre o que conversavam as figuras celestiais.

- Porque toda esta gente? - perguntava o mais novo.

- É simples- dizia o mais velho- eles se aglomeram curiosos por que estão assustados.

- Mas assustados com a morte, por quê? – replicou o anjo jovial.

- Porque os homens acreditam serem deuses.

Neste momento os anjos notaram que eu os ouvia, o mais velho virou-se para mim e disse: "Memento mori, Lembre-se da morte, jovem, lembre-se da morte" - e sumiram na névoa com a nova companhia.

O corpo se foi levando a aglomeração consigo; a viúva seguiu adiante consolada pelos seus e o mundo voltou a girar. E, sem lógica ou contexto, passam-se os anos e eu, naquela esquina, revejo o anjo dizer – 'Memento mori'.

PATRICK HENRIQUE VAZ é leitor da Folha de Londrina e mora em Curitiba


Apesar de eu ter achado essa experiência bastante sinestésica. O que mais me chamou a atenção foi a escolha do casal enamorado. Bentinho e Capitu, Patrick? Eles tiveram um relacionamento um pouco tumultuado. Mas respeito sua escolha. Abraços.

A MORTE VESTE OPALA


O dia virou noite, o céu azul fechou as janelas, o calor se recolheu. Câmbio de quatro marchas, rodas esportivas, seis cilindros e o ronco que maltrata até os sonhos de Stephen King. Ele vem vestido de preto e enegrece o quarteirão inteiro. A tranquilidade daquele Chevrolet Opala atravessa as ruas do Capão Redondo e esmaece o mais durão dos bandidos.

Aquele homem não atingiu seus 15 anos, preto e pobre, a vida o fardou de bandido. O olhar distante, o físico raquítico bruto, o cabelo raspado e a cicatriz no cotovelo esquerdo não dizem nada sobre ele. Wendel vê o carro, tenta encará-lo por um segundo, não resiste. A infância grita como as balas que o perseguem. Rodrigo corre, chora, ofega, corre, tropeça, cai, rala, corre, chora, chora, corre. O Opala parece se não abater, ele corre, sorri, corre, atira, corre, corre, corre, pega.

Os faróis raivosos daquele carro antecipam o final da história.

Vinícius, quando criança, queria ser jogador de futebol, mal sabia ele que, no futebol, o maior cego é quem apenas enxerga a bola. O garoto era bom, mas o sol não brilhou naquele barraco da favela. A bola murchou, da caneta nunca se aproximou. Um dia, ainda na sua precoce infância, um engravatado chamou Márcio de bandido por roubar um pão de queijo, resolveu sê-lo.

Ricardo acreditou tanto na alcunha que lhe puseram, que crescia com uma pistola na mão direita e uma escopeta na esquerda, só para se garantir. Júnior sonhava em ter babá, novela, janta e sobremesa. Ele tinha uma coberta, um binóculo, sete balas no cano e crack.

Teve um dia que a favela "virou", eram carros e tiros para todos os lados. Arthur usava tudo que tinha para se defender, quase tudo. Em uma corrida para fugir das rajadas de balas, encontrou o Opala. Assim como o homem, entre 30 e 40 anos, olhos castanhos, sem nenhuma bala no pente e com a identificação colada na farda. Cabo Arantes foi enterrado em caixão fechado.

O Opala roncava quase que sozinho naquela rua. Ouvia-se o motor, o choro e um teimoso galho que insistia em chacoalhar a alcunha da morte.

Ninguém teve coragem ou vontade de ver o acontecido.

GABRIEL SIQUEIRA LOPES é estudante em Londrina.


Meu irmão certa vez teve um Opala preto, Gabriel. Um dia ele estava voltando do trabalho pela avenida mais movimentada de Sorocaba e um cavalo apareceu do nada e sentou em cima do capô. Te juro. Ele disse que foi assim.

Semana que vem prometo que vamos falar de amor. Preparem seus corações apaixonados. Até quarta-feira. Nesse hiato aproveitem para escrever um texto para nós e enviem para [email protected]