Passado mais um Natal, permanece a grande lição que obtive neste ano: muito mais importante do que ter fé em Jesus é ter a fé de Jesus. A diferença é expressiva. Jesus foi um revolucionário, um sujeito que se indispôs contra os poderosos de seu tempo.

Quando era habitual o ódio, ele pregou o amor; quando era comum a vingança, ele ensinou o perdão; quando era universal o conformismo, ele apostou na indignação que faz agir e mudar o mundo. Acreditar em Cristo é lutar contra as injustiças, as variadas formas de exploração, a ostentação e a miséria espiritual. É espelhar-se nele e tentar ser como ele realmente foi: um insubmisso.

Sair em busca da fé de Jesus ultrapassa a cosmologia cristã. Não é preciso nem ser religioso para nutrir uma alma subversiva. Basta que amemos aqueles que estão próximos e distantes de nós, em relação aos quais nos sentimos iguais, imperfeitos, responsáveis pela criação de um lugar decente para compartilhar. Praticar uma espécie de fé que ousa desafiar o inquestionável é claro sinal de que repousa a humanidade inteira em nós.

Este ano de 2022 foi paradoxal. Pessoalmente, deixei-me enredar por dúvidas desnecessárias, que me roubaram tempo, energia e bem-estar. Adiei tarefas importantes e me apeguei a pequenezas, sem me dar conta de que estava prejudicando demais a mim

mesmo. Isso, contudo, me fez sair à cata de ajuda, de um ombro para deitar e junto a ele desabafar, contar histórias, compartilhar medos. Foi a melhor coisa que fiz. Consegui reunir forças para enfrentar meus demônios e ressignificar as coisas em que acredito.

Aos poucos, vou me redescobrindo, certo de que o tempo perdido será matéria-prima para que um novo mundo deságue sobre mim.

Em 22 enfrentamos o fascismo tardio que se alocou no Brasil nos últimos anos. Houve cisões familiares, rompimentos desamorosos, traumas de todo tipo. No fim, pudemos respirar e voltar a sonhar com a “normalidade” democrática. Daqui a alguns dias, poderemos dar uma nova chance a esperança. Meu maior desejo é que figuras caricatas deixem de protagonizar os noticiários e gente como a gente possa voltar a investir naquilo que é essencial a uma nação: educação, saúde, cultura e ciência. Não custa também ansiar por um país que valorize os direitos humanos, enfrente as mil formas de preconceito e discriminação e puna de modo exemplar os corpos autoritários e inimigos da paz – seremos melhores quando formos capazes de encarar assombrações, abrindo os jardins da primavera para o futuro.

Um aguardado 2023 vem vindo aí. Que aprendamos de vez que nosso futebol precisa mudar, que nossos laços afetivos requerem cuidados especiais, que as cidades em que vivemos exigem alterações radicais no ir e vir, no divertir-se, no crescer. É de esperar

que 23 traga alentos para nós, menos rusgas e mais pés caminhando enquanto juntamos as mãos. Rogo, principalmente, que aprendamos a pensar ao ar livre, longe de esquematismos e doutrinas bestas. É bem provável que esteja chegando o primeiro ano do resto de nossas vidas. Sigamos.

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