São Paulo - Um comercial no horário nobre da TV aberta tem chamado a atenção por uma proposta inusitada. A General Motors oferece R$ 500 em vale-combustível e a possibilidade de concorrer a três carros zero-quilômetro a milhares de donos de dois carros populares fabricados entre 2012 e 2016: os Chevrolet Celta e Classic. Para receber os benefícios, basta ao proprietário levar o carro à oficina autorizada e realizar um reparo no sistema de airbags. O serviço é gratuito, conforme determinado por lei, e a promoção, que teve início no dia 6 de abril, será encerrada no dia 30 de junho.

Há 235.845 unidades envolvidas, sendo 144.272 do sedã Chevrolet Classic e 91.573 do hatch compacto Celta. A montadora não revela quantos proprietários já atenderam ao chamado para reparo de seus carros populares.

Trata-se do problema que afeta mais de 40 milhões de automóveis de diferentes marcas mundo afora, sendo que aproximadamente 4 milhões estão no Brasil. São automóveis equipados com airbags produzidos pela japonesa Takata, empresa que abriu falência devido ao escândalo.

Em caso de colisão frontal moderada ou severa, condição em que as bolsas infláveis são acionadas -tudo ocorre em cerca de 60 milésimos de segundo-, pode haver a ruptura da estrutura do insuflador. Essa situação gera a projeção de fragmentos metálicos, com risco de ferir o motorista ou o carona. Nos casos mais graves, é como ser baleado.

Embora diversas marcas estejam envolvidas nesse recall no Brasil, só a GM optou por oferecer atrativos aos consumidores. E há razões para isso. Quando lhe foi perguntada sobre os custos envolvidos na campanha e o porquê de transformar a ação de recall em uma ação de marketing, a montadora optou por mandar uma frase como resposta: "A GM tem como prioridade a segurança dos seus clientes e está fazendo todos os esforços para atingir o público-alvo e completar a campanha de recall dos airbags Takata".

A resposta padronizada não detalha os motivos que levaram à campanha, mas representantes da marca confirmaram que há preocupação com o retorno dos consumidores. Um dos problemas está no perfil dos carros envolvidos.

Um Chevrolet Celta 2013 é anunciado por valores entre R$ 17 mil e R$ 25 mil no mercado de usados. São modelos de baixo custo que já passaram por diversos donos ao longo dos anos. Em geral, não frequentam as concessionárias autorizadas quando é preciso fazer algum reparo.

As marcas perdem o contato com os proprietários: os comunicados enviados por carta ou mensagem eletrônica, que são obrigatórios em casos de recall, chegam aos endereços dos primeiros donos em grande parte das vezes. Se o dono atual não passar pelas revendas, o banco de dados da marca permanece desatualizado.

DESCONHECE O PERIGO

Ao desconhecer o perigo, os motoristas e seus caronas continuam a usar carros com airbags que, em vez de preservar a integridade física, podem levar à morte em caso de colisão.

Além do risco aos ocupantes do carro, ocorrências desse tipo podem destruir a imagem de uma empresa que já foi questionada diversas vezes sobre a baixa segurança de alguns dos seus veículos populares.

UMA MORTE

Ao menos uma morte é atribuída à falha do airbag em um modelo popular da GM. O acidente ocorreu em janeiro de 2020 em Aracaju (SE). A bolsa inflável foi acionada devido a colisão de um Chevrolet Celta 2014 com a traseira de um outro veículo. "A perícia determinou que houve a ruptura anormal do insuflador do airbag da Takata, causando ferimentos que levaram à morte do motorista. Essa é a primeira ocorrência fatal provocada por ruptura do insuflador de airbag da fornecedora no Brasil", disse a GM em julho de 2020, por meio de nota divulgada após a conclusão do laudo pericial.

Em agosto, sete meses após a morte em Aracaju, a montadora deu início ao recall do Celta e do Classic. Con- tudo o retorno as concessionárias foi baixo.

Segundo os representantes da montadora ouvidos pela reportagem, foi preciso definir uma estratégia agressiva de marketing para que os clientes tomassem conhecimento do reparo e fossem incentivados a comparecer às lojas. Daí a ideia dos sorteios e do vale-combustível, disponível pelo aplicativo Shell Box.

De acordo com teste feito pelo Instituto Mauá de Tecnologia, o Chevrolet Celta 1.0 VHCE é capaz de percorrer 10,9 quilômetros no trânsito urbano com um litro de gasolina comum.

Com base no preço médio do combustível no estado de São Paulo -R$ 5,38 o litro na primeira semana de junho, segundo a ANP-, é possível encher o tanque do compacto (54 litros) e ainda guardar parte do valor para um segundo abastecimento.

No total, os 92,9 litros de gasolina que podem ser comprados com os R$ 500 são suficientes para rodar 1.006 quilômetros com o Celta em meio ao trânsito urbano.

O recall dos airbags é global e não se restringe a modelos de baixo custo. Um dos automóveis abrangidos foi o BMW X5 xDrive48i ano 2008. O utilitário custava R$ 357 mil quando novo.

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