Gelsenkirchen, Alemanha - Assim que acordar em sua primeira manhã com um "ex" na frente de "primeira-ministra da Alemanha", Angela Merkel pensará nos problemas que precisa resolver naquele dia. Por alguns instantes.

Segundo seus críticos, Merkel trabalhou para estabilizar, não para reformar, deixando uma conta de atraso tecnológico e social
Segundo seus críticos, Merkel trabalhou para estabilizar, não para reformar, deixando uma conta de atraso tecnológico e social | Foto: John MacDougall/AFP

"De repente vai me ocorrer que outra pessoa está no comando agora. E provavelmente vou me sentir bem", respondeu ela a uma pergunta de alunos na Universidade Johns Hopkins, nos EUA, da qual recebeu um doutorado honorário em julho.

Essa manhã futura, ainda sem data prevista, será a primeira de Merkel fora do poder desde 22 de novembro de 2005. Até a eleição de domingo (26), são 5.786 dias, quase 16 anos à frente do país.

O número equivale a quase um terço da vida adulta da primeira-ministra, uma física com doutorado em química que nasceu há 67 anos, cresceu na Alemanha Oriental e ingressou na política aos 35, em 1989 - ano da queda do Muro de Berlim.

Dependendo da data em que o próximo governo for empossado, Merkel pode superar seu mentor, Helmut Kohl - premiê de 1982 a 1996 -, como a que mais tempo ficou no cargo. O recorde pode ser batido em 19 de dezembro deste ano.

Em seus quatro mandatos, Merkel consolidou um estilo de governar que virou até verbo em seu país: "merkeln" (algo como "merkelizar"). Significa manter a calma, recolher informações, ponderar, evitar conflitos e adiar decisões e compromissos até quando for impossível.

Essa personalidade lhe rendeu ao mesmo tempo críticas e elogios, esses traduzidos em índices altos de aprovação dentro e fora de seu país. Na Alemanha, pesquisas diferentes mostram cerca de 70% de aprovação a seu governo. Sondagens internacionais, por sua vez, a colocam como mais confiável para tomar decisões corretas que qualquer outro líder mundial.

Para o instituto americano Pew, um dos que registram essa popularidade, uma das explicações é que Merkel enfrentou amplas crises e participou da coordenação de várias delas. A primeira-ministra se viu às voltas com uma crise institucional da União Europeia logo em seu primeiro mandato. Meses antes de ela tomar posse, França e Holanda haviam derrubado em referendo o projeto de Constituição Europeia.

A líder alemã se empenhou nas negociações do Tratado de Lisboa, que reformou a governança do bloco, e trabalhou para que ele não fosse derrubado por uma segunda vez pela Irlanda, em 2009.

A partir de então, houve a crise financeira global, em 2008, vários ataques ao Estado de Direito na UE, a crise do euro, a partir de 2010, a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, a crise dos refugiados, em 2015, e a pandemia de Covid, desde 2020.

Pela atuação de Merkel nesses eventos é possível ter ideia de por que analistas de várias nacionalidades e correntes políticas descrevem como ponto forte da líder política alemã a gestão de crises. "A capacidade de enfrentar turbulências insistindo na calma, na razão e na cooperação lhe garantiram a admiração mundial", afirmou Kristina Spohr, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins, em análise para o Instituto Americano de Estudos Alemães Contemporâneos (AICGS).

A maior parte dos comentaristas também vira a moeda para mostrar uma fraqueza: a preferência pelo pragmatismo em detrimento da estratégia impediu que problemas fossem evitados a tempo. Segundo seus críticos, Merkel trabalhou para estabilizar, não para reformar, deixando uma conta de atraso tecnológico e social que será paga pelos próximos governantes.