Rio de Janeiro e São Paulo - O Brasil perde 19 crianças ou adolescentes por dia para a violência. É como se um dos maiores aviões da Boeing cheio de jovens caísse a cada 21 dias no país, com a grande maioria dos assentos ocupada por meninos negros. Nesse mesmo intervalo de 24 horas, ao menos outras 123 pessoas dessa faixa etária, de até 19 anos, são estupradas. Nesses casos, as maiores vítimas são meninas na pré-adolescência, tanto negras quanto brancas.

Enquanto as crianças são mortas em circunstâncias que apontam para violência doméstica, os adolescentes são afetados principalmente pela violência urbana e armada
Enquanto as crianças são mortas em circunstâncias que apontam para violência doméstica, os adolescentes são afetados principalmente pela violência urbana e armada | Foto: Ricardo Chicarelli/11-12-2012

Os números foram calculados por pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que destrincharam de maneira inédita os boletins de ocorrência de mortes violentas e estupros infantis e juvenis de 2016 a 2020.

O resultado a que chegaram foi um total de 35 mil assassinatos nos últimos cinco anos e de no mínimo 179 mil estupros nos últimos quatro anos, conforme os dados disponíveis. Como não existe uma base nacional, foi preciso pedir as informações a cada estado, muitos sem dados completos ou desagregados por idade.

Falhas no preenchimento dos registros fazem com que os resultados sejam considerados uma estimativa conservadora pelos pesquisadores, que acreditam que os dados sejam superiores ao número de crimes contabilizado pelos estados. "O que chama mais atenção é o volume de casos encontrados. Sabemos que estão subestimados e ainda assim identificamos essa quantidade muito alta, o que mostra uma prevalência da violência na vida das nossas crianças e adolescentes", diz Danilo Moura, oficial de monitoramento e avaliação do Unicef.

Uma das principais conclusões do estudo é que o perfil dos crimes muda de acordo com a idade. Enquanto as crianças são mortas em circunstâncias que apontam para violência doméstica, os adolescentes são afetados principalmente pela violência urbana e armada.

Entre as vítimas de até 9 anos, predominam os óbitos dentro de casa e por autores conhecidos, com porcentagens mais altas de uso de arma branca (é o caso de 23% dos mortos de 5 a 9 anos, por exemplo) e agressão física (10% dos mortos de até 4 anos). "O número é muito menor de que quando a gente considera de 10 a 14 [anos], ou 15 a 19, mas isso está longe de ser desprezível e decorre da violência doméstica. A gente tende a olhar para a violência doméstica como um fenômeno relacionado ao parceiro íntimo, a essa mulher que sofre violência do seu companheiro, mas temos que lembrar que a violência doméstica também afeta crianças", diz Samira Bueno, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Já entre os jovens de 10 a 19 anos, é maior a parcela de assassinatos em vias públicas e por desconhecidos. Também são mais comuns os óbitos por armas de fogo e por ações policiais - que chegam a 85% e 10% dos casos, respectivamente, na faixa etária mais velha.

"A grande parcela das mortes é de jovens de 15 a 19 anos, mas as vítimas crianças também têm um volume significativo e preocupante, chegando a um caso a cada dois dias no Brasil. São violações que se agravam até evoluir para a morte", destaca Sofia Reinach, pesquisadora do Fórum.

O estudo considera como mortes violentas a soma dos homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes em decorrência de intervenção policial.

O Unicef tem trabalhado para que a lei federal 13.431 - voltada à escuta protegida de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência -, saia do papel e seja conhecida e implementada em mais de 2.000 municípios do país. Outras recomendações elencadas são informar meninas e meninos sobre seus direitos e riscos, para que saibam pedir ajuda, e priorizar as investigações de crimes contra eles, o que já está previsto em leis sancionadas em capitais como Rio de Janeiro e, recentemente, São Paulo.

Por fim, quanto aos estupros, o estudo confirma conclusões já vistas em outras pesquisas, como a prevalência das vítimas femininas (80%), principalmente de 10 a 14 anos, abusadas em casa e por conhecidos (86%). Entre as vítimas masculinas, os casos se concentram dos 3 aos 9 anos.

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